Armindo Monteiro: "O país dispensa taticismos eleitorais e precisa de pagar salários"
Armindo Monteiro, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), na entrevista JN/TSF desta semana.
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Armindo Monteiro tem 57 anos, nasceu em Paris, formou-se em gestão em Évora, lidera várias empresas na área das tecnologias de informação, obras públicas, logística, entre outros setores. Mas a grande visibilidade que ganhou foi como dirigente associativo, desde logo na Associação Nacional de Jovens Empresários, a ANJE, mas também na Confederação do Comércio e Serviços, na Associação Industrial Portuguesa e, desde o ano passado, como presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP).
Como é que está a força das empresas no meio desta convulsão política?
Vemos com muita preocupação esta coreografia política que parece que tudo domina. Mas aquilo que verdadeiramente conta para a vida dos portugueses é o rendimento e o crescimento económico. A CIP está perplexa por uma agenda que é dominada pela formação de maiorias para governar ou para serem alternância de poder, e muitas vezes alheadas daquilo que é a necessidade do país. Aquilo que o país precisa já não tem a ver com taticismos eleitorais, tem a ver com pragmatismo, tem a ver com pagar salários ao final do mês. O Mundo está em completa ebulição e há algo que está a acontecer, que é a relocalização das empresas. Antes nós tínhamos a ideia que podíamos colocar as fábricas do outro lado do Mundo. Percebemos hoje que esta ideia nos poderia dar paz e segurança. Mas aquilo que tivemos foi um violento despertar...
Pode até ser perigosa...
Pode até ser muito perigosa. E por isso, descobrimos de novo a necessidade de termos investimentos próximos. Ora, isso é uma oportunidade, que é relocalizar em Portugal muitos desses projetos que estavam a ser feitos no outra ponta do Mundo. E o que é que nós estamos a fazer para atrair esse investimento? Entretemo-nos numa discussão que é reduzir ou não um ou dois pontos percentuais na tributação sobre as empresas. É bastante frustrante vermos que uma das principais medidas que podia potenciar investimento está ainda em discussão.
Quantas empresas é que beneficiam de uma descida do IRC, se essa decisão acontecer?
Criou-se a ideia de que poucas empresas pagam imposto. Não é verdade. Há efetivamente um grupo que está neste momento estabelecido em 30%, em média, que não paga imposto. Uma atividade empresarial pode dar lucro ou prejuízo, mas ainda assim inventaram-se as tributações autónomas. Significa que mesmo que uma empresa apresente prejuízo, ainda tem de pagar imposto.
Os empresários que temos são o reflexo do país, ou seja, a iniciativa privada só existe quando está bem “calçada” pelo Estado?
Não. Repare que 93% das empresas têm até três trabalhadores. Temos esta ideia que as empresas são todas enormes, e não é verdade. A atividade empresarial em Portugal é livre apenas há 50 anos. Até há 50 anos era empresário em Portugal quem o Estado permitia que fosse. Já viu que, em 50 anos, não conseguimos ter uma marca verdadeiramente global?
Disse que não existe nenhuma força política que tenha ousado defender as empresas. Inclui o Governo da AD nessa posição?
Entendemos que este Governo, não tendo maioria parlamentar, a sua capacidade de disponibilidade está naturalmente limitada. Temos visto que as eleições são ganhas, sobretudo por quem promete distribuir, não por quem promete criar. Porquê? Porque é instantâneo.
Do seu ponto de vista, Pedro Nuno Santos está a ser radical na questão da baixa do IRC?
Queremos acreditar que tudo isto tem feito parte de alguma coreografia política.
Para um grande final?
Para que um final seja de convergência, para um final em que efetivamente esteja em causa o interesse dos portugueses. Nós aprovámos recentemente uma subida extraordinária de salários. Estamos a falar de referenciais de 4,7% ou 6,1% no caso de salário mínimo, e se compararmos com aquilo que é a projeção da inflação de 2%, estamos a ver que há aqui um esforço de aumento de salários. Vamos conseguir construir uma subida significativa de salários com crise política. Essa crise não é uma abstração intelectual, ela pode acontecer se os responsáveis políticos forem consequentes com as afirmações que têm feito, ou seja, haverá naturalmente eleições.
Portanto, a sua esperança é que sejam inconsequentes?
A minha esperança é que sejam inconsequentes e, sobretudo, que tenham em atenção o interesse nacional. Não se trata aqui de ganhos político-partidários, não se trata aqui de mera retórica política. Há empresas que precisam de pagar os salários, há famílias que precisam de gerir os seus orçamentos, isto não é compatível com meros ganhos ou perdas de uma disputa eleitoral.
Acha genuinamente que tanto Luís Montenegro como Pedro Nuno Santos querem chegar a um acordo ou, como já disse, os orçamentos têm servido só para fixar clientelas partidárias?
Há uma tentação grande. Quando há uma situação instável, em que o objetivo é ganhar eleições, a tentação é responder de imediato para públicos onde se possa obter o voto de imediato. Isto é a base do engodo eleitoral. Precisamos de um Estado que nos estimule a não precisar do Estado. Mas, na lógica eleitoral, é o contrário. Quanto mais dependência se criar do cidadão em relação ao Estado, mais dependente também é na altura de votar. Nenhum partido quer verdadeiramente fazer esta mudança, porque todos eles apostam preferencialmente em amarrar o eleitor.
É conhecido como um benfiquista ferrenho. Como é que olha para os rumores que o colocam como possível candidato às eleições do Benfica no próximo ano?
Também tenho dito que gosto muito de jazz e espero que ninguém tenha a veleidade de me convidar para dirigir a Orquestra Metropolitana, porque seria um completo disparate. Eu vejo com preocupação a vida no meu clube, porque acho - e atenção, tenho maior respeito pelo presidente Rui Costa - que os clubes em Portugal precisam de ser realistas. Não apenas o Benfica, mas todos. Mas agora falando no Benfica em concreto, tem de ser realista e não utilizar receitas de investimento para pagar despesas correntes. O que é que eu quero dizer? Para fazer face ao défice de tesouraria, não posso estar constantemente a vender ativos [jogadores]. Isso não acontece nas empresas. Eu não vendo máquinas nas empresas para pagar contas correntes. São precisos planos de reestruturação dos clubes para que Portugal tenha projetos sustentados. O futebol é paixão, estamos todos de acordo, mas a gestão não tem nada a ver com paixão, tem a ver com razoabilidade. Penso que Portugal, e não falando apenas do Benfica, não pode perder a oportunidade de se transformar o futebol num setor que tem grandes possibilidades, desde que deixemos uma atitude apenas de emoção, apenas de adepto. Vejo que o Sporting está a fazer essa transformação, vejo que o F. C. Porto também e espero que o meu Benfica faça essa mesma transformação rapidamente.
Com ou sem si?
Estou num projeto que é bastante motivador, que é a CIP. Eu tenho um compromisso com a CIP até 2027 e, portanto, sou muito feliz pela equipa que tenho, por ter esta oportunidade de liderar este projeto fantástico. E, portanto, lá estarei todos os domingos a sofrer pelo meu Benfica. Hoje estou muito feliz porque tivemos uma boa semana.
O acordo no seio da Concertação Social acautela a ambição da CIP em aumentar a produtividade?
Sim, e foi a razão por que o subscrevemos. Não o teríamos assinado se não tivesse lá incluído uma medida que tem como objetivo atingirmos em quatro anos 75% da média europeia de produtividade. Hoje estamos em 66% sensivelmente. E depois, não haverá razão nenhuma para os nossos salários também não serem 75% da média europeia. E óbvio, o que não podemos promover aumentos salariais desligados da realidade económica. Estamos a assumir um compromisso de aumentar em 20% os salários nos próximos quatro anos.
A assinatura por parte da CIP deste acordo, em que o salário mínimo poderá chegar aos 1020 euros por mês foi uma moeda de troca pela baixa do IRC que o Governo propõe para o Orçamento do Estado?
Não, não. Mas é uma moeda de troca desde que sejam atingidos os 75% da produtividade média europeia. Se me diz, mas a baixa do IRC é importante para as empresas? Claro que sim. Mas mais importante que, digamos, a intensidade dessa redução é claramente o sinal. E dar um sinal que, efetivamente, o IRC está a diminuir. Parece-nos uma posição honesta de negociação.
A academia está a fornecer a geração mais qualificada de sempre, isso está a ter reflexo na nossa força de trabalho?
É preciso separar duas coisas, uma coisa é uma geração qualificada em termos de estudos e outra é qualificada em termos profissionais, parece que estou a fazer um trocadilho de palavras, mas não. São coisas completamente diferentes. Efetivamente, qualificações de estudos, claro que sim, nós nunca tivemos uma geração tão qualificada em termos académicos. Agora, em termos profissionais, que tenham a capacidade de se adaptar ao mercado de trabalho. A academia e empresas têm estado, salvo honrosas exceções, de costas viradas. A academia produz os licenciados que entende produzir nas matérias que entende produzir, e o mercado tem naturalmente necessidades muitas vezes diferentes.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF