Só nos primeiros dez meses deste ano houve 51 registos, 21 deles com danos nas embarcações. Biólogos sem explicações seguras para as "interações".
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Os ataques de orcas ao largo da costa portuguesa triplicaram este ano relativamente a 2020. E apesar das entidades oficiais tratarem os casos como interações, certo é que quem passou pela experiência considera que foi atacado. Até 2019 não havia registo de interações com estes superpredadores que, no caso dos machos, chegam a pesar 10 toneladas e medir 10 metros, e que desde sempre passaram ao largo da costa na rota do atum, mas a partir de 2020 começaram as interações, perigosas.
A maior parte das ocorrências são registadas em Espanha, mas em Portugal, em 2020, houve 17, oito das quais com danos nas embarcações, nomeadamente o leme. Este ano, já há 51 registos, 21 com danos, mais 200% do que durante todo o ano passado.
Passaram de 3 para 8
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Marina Sequeira, bióloga do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), não encontra justificação para as orcas começarem a interagir com embarcações, mas diz que no ano passado os mesmos três animais, jovens machos, foram identificados em quase todas as interações. "Um destes três animais apresentava uma ferida, que pode ter sido causada durante uma interação menos feliz com uma embarcação, talvez haja aqui uma justificação para as abordagens frequentes, mas não é certo", afirma ao JN.
Este ano já são oito as orcas que são sempre vistas nas interações. "O aumento do número de animais que são vistos com frequência pode ser uma justificação para o aumento de casos", diz a bióloga, que acrescenta que "por serem jovens, pode haver o fator de curiosidade, embora não seja igualmente certo".
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Entre março e agosto as orcas rumam ao Sul, desde a Galiza ao Estreito de Gibraltar, seguindo a migração do atum, e entre setembro e outubro regressam ao Norte. A hipótese que tem sido referida destes animais se alimentarem da sardinha na costa portuguesa, entre Algarve, Sines e Lisboa, é afastada por Marina Sequeira. "As orcas seguem o atum, nunca tiveram interesse em sardinha".
Perante as novas interações, o ICNF e a Polícia Marítima elaboraram um guia sobre o que fazer perante um grupo de orcas. As embarcações devem parar completamente o motor e deixar que as orcas percam o interesse. No caso dos veleiros, que são nove em cada 10 alvos destas interações, devem recolher a vela para o imobilizar.
Semáforos
Biólogos portugueses, franceses e espanhóis juntaram-se e criaram um grupo de trabalho, "Orca Atlântica", para perceber o comportamento das orcas. Aqui criaram mesmo um sistema de alerta à navegação, composto por semáforos em zonas da costa onde há mais interações. Marina Sequeira integra o "Orca Atlântica" e diz que o sistema de semáforos atualizado em permanência surgiu porque "os velejadores passaram a ter uma preocupação diária para com as orcas e querem saber se as vão encontrar nas viagens".
Invenção
Uma hélice falsa para as enganar
Em todas as interações com danos, as orcas danificaram o leme da embarcação e foram os veleiros os mais afetados por terem o leme mais fundo que outras embarcações. Para evitar os danos, o mergulhador e velejador Miguel Lacerda, presidente da Associação Cascaisea, inventou um mecanismo que as pode afastar. "Trata-se de uma hélice falsa de metal por detrás do leme e que vai afastar os animais", explica ao JN. O aparelho está em fase de testes. Miguel Lacerda nunca presenciou uma interação com orcas, mas do conhecimento que tem destes animais, não os considera perigosos. "Eu já mergulhei junto a orcas, são predadores, sim, mas marinhos, não têm interesse em pessoas".