Aumentou a dependência do consumo de canábis em Portugal, com maior agravamento entre o sexo feminino e os grupos etários 25-34 anos e 35-44 anos de idade, revelou esta quarta-feira, no Parlamento, João Goulão, secretário-geral do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), admitindo a sua preocupação. "Estamos todos de acordo que a canábis não é inócua", disse. Os dados mostram que esta droga é também a mais consumida entre as idades escolares. Ainda assim, desde 2021 que tem diminuído a prevalência de consumo de canábis, mantendo-se próxima da de outras drogas.
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As conclusões são do Relatório anual do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) sobre a situação do país em matéria de drogas e toxicodependência e em matéria de álcool em 2021, apresentadas, esta quarta-feira, na Assembleia da República. Questionado sobre a legalização da canábis em Portugal, defendida por alguns grupos parlamentares, designadamente o BE, João Goulão admitiu aos deputados que esta droga "não é inócua". Contudo, admite que a legalização pode ser vantajosa, se o objetivo for "reduzir a toxicidade da substância".
O SICAD apurou que no período entre 2017 e 2020 houve um aumento da dependência do consumo de canábis, com maior agravamento entre o sexo feminino e os grupos etários 25-34 anos e 35-44 anos. Apesar de os consumos mais intensivos continuarem a ser prevalentes entre os homens, quando considerados os consumos recentes e atuais de canábis, os consumos diários ou quase diários nos últimos 12 meses e nos últimos 30 dias são mais prevalentes nas mulheres (73% e 78%), por comparação ao sexo masculino (60% e 65%).
Além disso, nas populações escolares, a canábis continua a apresentar prevalências superiores às restantes drogas, segundo o estudo citado "Health Behaviour in School-aged Children". Em 2028, 1%, 4%, 11% e 26% dos alunos, respetivamente, do 6.º, 8.º, 10.º e 12.º ano já tinham experimentado canábis. Já o "Estudo sobre o Consumo de Álcool, Tabaco e Droga e outros Comportamentos Aditivos e Dependências" mostra que, em 2019, a prevalência de consumo de canábis entre os 13 e os 18 anos foi de 6% e que 2% dos jovens com 18 anos (15% dos consumidores) tinham um consumo diário.
Ainda assim, o relatório aponta que desde 2021 a prevalência de consumo de canábis tem decrescido e a de outras drogas "não têm sofrido alterações relevantes". Citando os dados do inquérito anual "Comportamentos Aditivos aos 18 anos", o relatório aponta que as prevalências de consumo de "qualquer droga" foram de 32% ao longo da vida, 25% nos últimos doze meses e 15% nos últimos 30 anos. A canábis surgiu com prevalências próximas às de "qualquer droga", destacando-se as anfetaminas ou metanfetaminas, incluindo o ecstasy, com prevalências de 6% ao longo da vida, 5% e 2% nos últimos doze meses e 30 dias. Seguem-se depois a cocaína e os alucinogénios, as novas substâncias psicoativas (NSP) e os opiáceos.
Apesar de a heroína continuar a ser a droga principal mais referida entre os utentes em tratamento e nas Unidades de Desabituação, no caso dos utentes das comunidades terapêuticas e dos novos utentes em ambulatório, a cocaína e a canábis são predominantes. Sendo que entre 2017-2021 se verificou um aumento nas proporções com a canábis e a cocaína como drogas principais.
Crise deve preocupar
O diretor-geral do SICAD alertou que é necessário reforçar uma resposta à crise para que não venha a significar um aumento dos consumos de drogas e substâncias ilícitas. "Temos que robustecer os dispositivos que enfrentam os problemas das dependências em Portugal para conseguirmos dar resposta, sob pena de virmos a enfrentar uma situação como aquela que deixamos evoluir livremente nas décadas de 80 e 90 e que nos levou efetivamente a números catastróficos relacionados com o uso de heroína", advertiu.
O relatório aponta ainda que foram abertos 6 378 processos de contraordenação por consumo relativos a ocorrências em 2021, ao mesmo tempo um aumento de 4% face a 2020 e uma diminuição (-48%) em ralação a 2017 (ano com o valor mais elevado desde 2001). A maioria dos processos estava relacionada com a canábis (75% só canábis e 3% canábis com outras drogas), seguindo-se a cocaína (com o valor mais elevado de sempre), a heroína e outras drogas.