Os autarcas querem ter uma palavra a dizer sobre a planificação dos investimentos e a distribuição dos milhões europeus no território. Paulo Cunha, Nuno Vaz e Victor Hugo Salgado pedem ao Governo que, em vez de medidas nacionais padronizadas, tenha atenção às disparidades territoriais e promova a coesão com soluções e projetos adaptados às necessidades das regiões.
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De nada valerá aplicar a mesma receita a todos. A oportunidade que os 45 mil milhões de euros europeus oferece a Portugal só será bem aproveitada, se forem gastos nas necessidades identificadas pelos municípios e pelas comunidades intermunicipais e pelas áreas metropolitanas.
Há, no entanto, um critério que deve ter prevalência nacional, no momento da distribuição dos fundos comunitários, defendeu, esta sexta-feira à tarde, Victor Hugo Salgado, na Conferência JN - Os Caminhos da Recuperação Económica em Portugal: Hipóteses a Norte. O presidente da Câmara de Vizela entende que a prioridade no financiamento deve ser concedida a "investimentos com efeito multiplicador, que mais rapidamente ajudem as regiões ultrapassar a crise" e à criação de "almofadas sociais".
"Seja como for distribuído este pacote extraordinário europeu, devem ser ouvidos os concelhos e as comunidades intermunicipais", sustenta o autarca, que alerta para os efeitos que a pandemia trará ao setor têxtil no seu concelho (Vizela tem um peso de 40% nas exportações do têxtil-lar), acelerando e agudizando uma crise que já se pressentia. A médio prazo e antes da pandemia, as previsões já eram assustadoras: 48 mil desempregados e um terço das empresas a desaparecer.
"O setor têxtil já estava a entrar em crise antes da covid. Com a pandemia, tivemos um aumento de 40% no desemprego. Há um conjunto de empresas em lay-off e estamos muito preocupados com o que acontecerá em setembro", retrata o autarca, criticando o apoio do Governo ao tecido empresarial. "O que foi colocado à disposição das empresas não foi um mecanismo de liquidez, foi um mecanismo de endividamento. As empresas já fragilizadas antes da covid-19 não conseguiram aceder ao endividamento. As mais robustas não se quiseram endividar", frisa. Victor Hugo Salgado crê que é possível emendar o erro com a implementação de um plano de emergência, com apoios a fundo perdido, que conceda liquidez às empresas.
O "envelope financeiro" terá de ser "expressivo", argumenta, caso contrário o Governo, em vez de ajudar a salvar agora as empresas, gastará o mesmo ou mais dinheiro a pagar subsídios de desemprego e em programas de criação do próprio emprego num futuro próximo. "Da mesma forma que foi anunciada uma linha de apoio para o Algarve, também é preciso apresentar uma linha de apoio para as empresas do Norte".
No Rivoli Teatro, na conferência organizada pelo JN e pelo Município do Porto, também Paulo Cunha, presidente do Município de Famalicão, deu conta do aumento da taxa de desemprego no seu concelho fortemente industrializado. Esta crise é única, não só pelo seu contexto sanitário, mas também porque permite antecipar as consequências. Essa antecipação pode ajudar a salvar empregos, se forem dadas respostas adequadas e atempadas. "Hoje, no meu concelho, estão 15 mil cidadãos em lay-off. Posso antecipar que, pelo menos, um terço irá para o desemprego", augura. No entanto, as medidas têm de adaptar-se aos territórios e não ser um fato nacional que a todos tem de servir.
"Há uma tendência dos governos para padronizar as medidas e disseminá-las num contexto nacional, como se todos os territórios fossem iguais. Parece-me crítico para o sucesso de muitas propostas que as medidas nacionais sejam adaptadas aos territórios", aponta o autarca, defendendo, por exemplo, a aposta na formação profissional. No entanto, os cursos não podem ser definidos a nível nacional, de acordo com os formadores disponíveis. "Tem de ser adaptada à realidade de cada território" e, para isso, "é preciso ouvir autarcas e empresários". Em simultâneo, Paulo Cunha é favorável também que se acelere a concretização de projetos, calendarizados para a próxima década.
Nuno Vaz, que lidera há três anos os destinos de Chaves, pede solidariedade dentro do país na planificação dos investimentos e na distribuição dos milhões europeus, da mesma forma que Portugal reclamou solidariedade na Europa. "Esta crise não ataca a todos da mesma forma, porque há contextos que marcam a diferença. Se temos territórios desequilibrados, também as soluções têm de ser costumizadas. Pedimos que, ao nível do país, haja solidariedade nacional, tal como Portugal pediu solidariedade a nível europeu".
O autarca, defensor da urgência da regionalização, adverte para as dificuldades dos territórios do Interior na captação de investimento estrangeiro. Sempre que Chaves é visitada por investidores (geralmente franceses), nós sentimos dificuldades. Nós precisamos de uma rede de energia elétrica e de comunicações capaz, que não temos. Era importante que o investimento na rede 5G começasse pelo Interior", exemplifica Nuno Vaz. Também é indispensável coser a rede viária, que permanece incompleta.