Há menos dívida, défice e pobreza, o PIB cresceu e o emprego também, mas isto ainda não se reflete na carteira das pessoas. Licenciados pedem mais ajuda.
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A melhoria dos indicadores económicos de Portugal ainda não entrou na carteira dos portugueses. A perda de poder de compra, a escalada das rendas e dos juros e a subida do desemprego nos primeiros meses de 2023 quase fazem esquecer que estamos com menos dívida, défice e pobreza, que o PIB cresceu mais do que o previsto e o emprego também. Estará Portugal melhor e os portugueses pior?
O primeiro-ministro previu que "cada dia que passa é um dia em que as pessoas vão sentir, de forma mais concreta, a recuperação da economia". No último ano, poucos a sentiram. O salário médio mensal até subiu, mas a inflação aumentou duas vezes mais e, além de absorvê-lo, ainda tirou poder de compra aos portugueses. E há cada vez mais pessoas com dois empregos: no primeiro trimestre deste ano, 255 mil pessoas acumulavam, pelo menos, dois trabalhos.
Menos dívida é bom
O professor de Economia da Universidade do Minho e vice-presidente do Conselho Económico e Social, Fernando Alexandre, explica ao JN que, no que toca à inflação, "o grande beneficiário direto de curto prazo é o Estado". Os portugueses "não sentem isso diretamente", mas beneficiam com as contas certas: "A redução da dívida pública, por exemplo, é um benefício para todos. A economia fica mais protegida, reduz-se a fatura dos juros e a exposição a choques externos e, sobretudo, reduz-se a fatura para as gerações futuras".
Para José Reis, professor catedrático da Universidade de Coimbra, "é um absurdo" dizer que Portugal está melhor e os portugueses pior. As duas coisas "estão ligadas" e há "resultados positivos do ponto de vista macro que conduzem a resultados negativos do ponto de vista meso ou micro. Podemos ter uma descida do desemprego, um aumento das exportações e um crescimento económico e, no entanto, estarmos a fazer isso com a degradação do perfil de especialização ou da qualidade do nosso sistema produtivo", frisa. Assim, não estranha que os portugueses não sintam os efeitos dos indicadores macroeconómicos, porque há "dinâmicas que não qualificam os salários nem o emprego e não levam ao aumento da criação de valor".
No Parlamento, o primeiro-ministro respondeu à pergunta: "Como é que essa economia chega às pessoas? Chega, em primeiro lugar, através de emprego. Nós estamos com o emprego em máximo histórico". Este máximo baseia-se em dados do INE, que contabilizou mais 24 mil pessoas empregadas no primeiro trimestre deste ano face ao trimestre homólogo. Mas registou menos 100 mil empregos de licenciados. O crescimento do emprego deu-se à custa de trabalhadores com o 3.º Ciclo (mais 65 mil) e Secundário (mais 63 mil), em detrimento dos licenciados, que saíram para a inatividade ou o estrangeiro. E os que ficam pedem cada vez mais ajuda.
"Começa a aparecer um número preocupante de pessoas com uma escolaridade mais avançada", revelou, há dias, a diretora da AMI, Salomé Marques. Rita Valadas, da Cáritas, alerta que "os bons resultados do país ainda não têm consequências na vida das pessoas". E o mesmo disse Marcelo Rebelo de Sousa, que deseja que "os grandes números da economia se traduzam no bolso de mais portugueses". Segundo Fernando Alexandre, é uma questão de tempo: "Mais tarde ou mais cedo, vai refletir-se no bolso das pessoas". Para José Reis, o futuro dependerá "das deliberações de política económica que fizermos", em particular na "reposição dos salários" e na "robustez da negociação coletiva".
Portugal melhor
Dívida pública
Desceu para 114,7% do PIB
Em 2022, a dívida pública em percentagem do PIB baixou de 125,5% para 114,7%. Em termos absolutos, aumentou 3,3 mil milhões de euros para 272,6 mil milhões. Porém, a capacidade de pagá-la mede-se através do valor em percentagem do PIB.
Crescimento
Entre os melhores da Zona Euro
No primeiro trimestre deste ano, o PIB cresceu 2,5% em relação ao período homólogo e 1,6% em relação ao último trimestre de 2022. No ano passado, o crescimento foi de 6,7%, o maior desde 1987.
Défice
Diminuiu para perto de zero
O défice das contas públicas diminuiu para 0,4% no ano passado. Este défice fica 3580 milhões de euros abaixo dos 1,9% previstos. Em 2021, o saldo negativo foi de 2,9% e, em 2020, foi de 5,8%. Para este ano, a previsão do Governo é de 0,9%.
Emprego
Há mais pessoas a trabalhar
Nos primeiros três meses deste ano, havia 4,925 milhões de pessoas com trabalho. Há, também, 255 mil com segundo emprego, que é um máximo histórico.
Pobreza
Perto do pré-pandemia
Em 2021, segundo o INE, 16,4% da população estava em risco de pobreza (rendimento médio abaixo de 551 euros por mês). É um recuo face aos 18,4% de 2020, mas ainda está ligeiramente acima de 2019, em que o risco era de 16,2%.
Exportações
Valem mais de metade do PIB
As exportações atingiram, em 2022, 50% do PIB, graças aos setores do turismo, metalomecânica, têxtil e calçado. A meta do Governo era atingir os 50% em 2025.
Portugueses pior
Salário
Inflação anula subidas
Em 2022, o salário médio subiu 3,6% para 1411 euros brutos. No entanto, houve uma perda de poder de compra, porque a inflação foi muito superior. Assim, o salário médio real (salário menos inflação) desceu 4% no ano passado.
Taxas de juro
Escalada agrava créditos
A Euribor a 12 meses, a mais usada em Portugal, subiu de 0,364% para 3,904%, no último ano. Num crédito novo de 150 mil euros a 30 anos e spread de 1%, é a diferença entre pagar 508 euros e 773 euros.
Renda
Aumento anual acima de 10%
No último ano, o valor mediano por m2 dos novos contratos de arrendamento aumentou 10,6%, de 6,25 euros por m2 para 6,91 euros. Para uma casa de 124 m2 (média em Portugal), significa a subida da prestação de 775 euros para 857 euros.
Desemprego
Subida para 7,2% este ano
Apesar da subida do emprego em 0,5%, a taxa de desemprego subiu ainda mais: 1,3%. Era de 5,9% nos primeiros três meses de 2022 e está agora em 7,2%.
Pensão
Perda de 3,5% desde 2021
Até ao final do ano, a perda real dos pensionistas será de 3,5%. Em 2021, a pensão média era de 509 euros e será de 563 euros no fim do ano. O aumento é de 10,5%, contudo a inflação nos dois anos, somados, atingiu os 13,35%.
Idosos
Mais de 200 mil trabalham
O número de trabalhadores com idade compreendida entre 65 e 89 anos aumentou 88% na última década. No final de 2022, eram 209 mil idosos a trabalhar.