O Bispo Auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, reconheceu, esta manhã de terça-feira, que há padres acusados de abusos sexuais no ativo e disse que "seria normal" que os bispos das dioceses afastassem de funções os membros da igreja denunciados pela prática deste crime, o que não estará a acontecer em todos os casos.
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"Após uma denúncia e uma conversa do sacerdote com o bispo da sua diocese o normal seria que acontecesse essa decisão. Não tendo conhecimento do conteúdo das denúncias posso aceitar que existam decisões diferentes, mas o normal é que a decisão fosse o afastamento das funções", considerou Américo Aguiar, após uma cerimónia de entrega do prémio Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) atribuído, esta terça-feira, à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica.
Em declarações aos jornalistas, o Bispo Auxiliar de Lisboa confirmou que haverá padres em funções sobre os quais recaem denúncias e que isso é "preocupante". "Estaria mais descansado se houvesse uma partilha permanente das denúncias a cada diocese pela Comissão Independente, mas compreendo que pudesse causar nas vítimas desconforto ou desconfiança. Se calhar é por isso que não partilham, mas depois não se pode fazer coincidir essa boa vontade que eu acho que seria positiva", admitiu.
O presidente da APAV, João Lázaro, também demonstrou preocupação com os membros da igreja acusados de abusos sexuais ainda em funções. "Independentemente da instituição onde sejam detetados esses casos, a própria instituição tem de ter medidas de suspensão, de fazer com que a pessoa abusadora não esteja perto das vítimas enquanto decorrem outro tipo de abordagens internas", considerou.
Um pouco antes, o coordenador da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais na Igreja Católica em Portugal, Pedro Strecht, foi receber o prémio APAV, acompanhado de outros elementos da comissão, agradecendo o "enorme reconhecimento da distinção". "Este agradecimento é reenviado às vítimas que nos contactaram, a todos e todas que, ao longo destes meses, ousaram dar voz ao silêncio para revelarem situações traumáticas que sofreram enquanto crianças", referiu.
O pedopsiquiatra revelou que continuam a chegar "testemunhos" diariamente à Comissão Independente, além dos 424 anunciados há duas semanas, "aumentando assim este número". Strecht lembrou ainda que estes testemunhos "trazem outros casos, logo mais vítimas que passaram pela experiência de abuso e assim nos transportam para um universo que ultrapassa em muito, mas em muito, a ordem das centenas", frisou.
O presidente da APAV também disse que "o número de vítimas conhecido não está longe nem perto do número real". "O trabalho da comissão tem sido amplamente divulgado e, até ao momento, sabemos da identificação de 424 testemunhos, que corresponderão na prática à deteção de um universo estimado de pelo menos 1500 vítimas, e todos estes números são provisórios", garantiu.
A Comissão foi distinguida pelo apoio na denúncia de situações de violência e pela intenção de, no futuro, auxiliar melhor a atuação da Igreja Católica perante situações de violência sexual. No final da cerimónia, Strecht incumbiu o Bispo Auxiliar de Lisboa da missão de "guardião do prémio" e pediu-lhe que o entregue ao Papa Francisco quando vier a Portugal, nas Jornadas Mundiais da Juventude em 2023.