Flexibilidade horária oferecida pelo teletrabalho permite maior número de deslocações diárias. Especialistas observam mudanças na mobilidade e preço dos combustíveis parece não ter influência.
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Desapareceram as tradicionais horas de ponta: os carros circulam mais vezes por dia, fazem viagens mais curtas e preenchem as estradas sem que o aumento do preço dos combustíveis influencie esse comportamento. O cenário, promovido pela flexibilidade horária do teletrabalho, mantém os transportes públicos aliviados.
Nas autoestradas, o número de carros a circular está muito perto do registado antes da pandemia, de acordo com o último relatório de tráfego do Instituto da Mobilidade e dos Transportes (referente aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2021). As vias mais concorridas mantêm-se as habituais: o IC19, em Lisboa, e a VCI, no Porto. A essas juntam-se a Ponte 25 de Abril (A2), em Lisboa, a A5, entre o viaduto Duarte Pacheco e Oeiras, a A3, em particular nos troços entre Águas Santas, na Maia, e Santo Tirso, e a A28, entre a Arrábida e o nó de Francos, no Porto.
Mudança de hábitos
Na perspetiva de Paulo Caldeira, da empresa de mobilidade PSE, vários fatores terão influência no comportamento futuro dos portugueses no que toca à utilização dos transportes públicos. Entre eles está o preço dos combustíveis.
Para Guilherme Ferreira, especialista em Urbanismo, Planeamento e Transportes, um "aumento de 10% ou 20% da gasolina" não é o suficiente para influenciar uma mudança de posição dos condutores. Já José Pedro Tavares, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto e coordenador do Laboratório de Análise de Tráfego, diz que "é muito cedo para tirar uma conclusão", já que as primeiras subidas registaram-se há cerca de um mês.
Certo é que "o teletrabalho está a mudar a mobilidade", observa Paulo Caldeira. "Estamos a circular mais, a fazer mais quilómetros, com viagens mais curtas e mais frequentes. Há uma menor utilização dos transportes públicos porque se vou uma ou duas vezes por semana ao escritório, não compensa, financeiramente, comprar passe. Isso faz com que as horas de ponta sejam muito menos agressivas neste momento. Aliás, alguns cálculos mostram que alguns movimentos pendulares estão a perder menos 50% do tempo do que antes da pandemia".
Para Guilherme Ferreira, "é muito natural que a ideia de que podemos contribuir para a descarbonização utilizando um transporte público" ainda não se reflita numa diminuição da utilização do carro. "Esta mudança não vai ser radical, vai ser aos poucos. Até porque exige uma tomada de decisão que custa um bocado. Em vez de ir confortável, no meu carro, com ar condicionado, vou atafulhado num transporte", observa, referindo existirem "600 automóveis para cada mil habitantes" em Portugal.
Receio dos transportes
Além disso, com o "sistema híbrido" implementado em várias empresas, complementa Paulo Caldeira, os trabalhadores têm disponibilidade de "levar os filhos à escola, ir a um supermercado, à lavandaria e ao ginásio", acabando por "fazer maior número de viagens" e circulando mais pelas cidades ao longo do dia.
José Pedro Tavares recorda ainda o efeito da pandemia: "as pessoas ficaram com receio de andar de transporte público". Também por isso, afirma, o fluxo de passageiros ainda não é o que se registou em 2019. "E quem troca os transportes pelo carro dificilmente regressa", admite.