O SOS Racismo e a Casa do Brasil de Lisboa consideram que o episódio dos insultos racistas aos filhos de um casal de atores brasileiros ocorrido no sábado, na Costa de Caparica, teve o seu impacto ampliado por ter envolvido uma família "privilegiada". As organizações consideram as injúrias "escandalosas", mas referem que estas situações acontecem a um ritmo diário em Portugal. Ambas defendem que o racismo é "estrutural", ao contrário do que o presidente da República afirmou.
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"Em Portugal há um consenso generalizado contra o racismo e a xenofobia", referiu Marcelo Rebelo de Sousa esta segunda-feira, em Idanha-a-Nova. "Não quer dizer que não haja setores racistas e xenófobos. Quer dizer que a maioria esmagadora dos portugueses não é", precisou.
Antes, o chefe de Estado tinha afirmado, através de uma nota oficial, que o racismo é "condenável e intolerável", advogando que o mesmo seja "devidamente punido". No entanto, acrescentou que "não se pode nem deve generalizar", uma vez que Portugal é, "em regra, respeitador" dos direitos dos imigrantes.
José Falcão, dirigente do SOS Racismo, alerta que situações como a da Caparica "acontecem todos os dias" no país. Ao JN, sublinha que o caso só se tornou tão mediático porque ocorreu com um casal "privilegiado" - como, aliás, foi reconhecido pela própria Giovanna Ewbank, mãe adotiva das duas crianças ofendidas, ambas nascidas no Malawi.
Lembrar a "escravidão" no Alentejo
Falcão repudia os insultos, mas estranha que o caso tenha levado Marcelo Rebelo de Sousa a pronunciar-se: "Gostava de saber se vai passar a pedir desculpa todos os dias, aos imigrantes que estão nas estufas do Alentejo ou nas pensões do Ribatejo, pela escravidão a que são sujeitos para nos servirem", atira.
O fundador do SOS Racismo diz que as vítimas não fazem queixa "porque sabem que não vale a pena", já que "a lei que existe não serve para nada". Para alterar mentalidades seria preciso, primeiro, mudar um sistema educativo que fomenta o "orgulho" no período dos Descobrimentos e na escravatura inerente, advoga Falcão.
Ana Paula Costa, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa, também realça que o casal de atores - Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso - tem "uma condição social muito mais abastada do que a maioria das pessoas".
No seu entender, o facto de, ainda assim, os filhos adotivos de ambos - Titi, de nove anos, e Bless de sete - terem sido insultados mostra não só "o quanto o racismo é um problema em Portugal" mas, também, que os privilégios de classe não impedem que os negros sofram" com esse fenómeno.
Lula da Silva comentou caso
No sábado, os filhos de Ewbank e Gagliasso foram alvo de insultos racistas num restaurante da Caparica, juntamente com uma família angolana que também estava no local. A autora das injúrias seria detida por ofensas à GNR, tendo sido, entretanto, libertada.
Ewbank saiu em defesa dos filhos, chamando "racista nojenta" à mulher após esta lhes ter dito que voltassem para África. O episódio foi filmado e tornou-se viral no Brasil, tendo sido mesmo condenado por Lula da Silva, candidato presidencial nas eleições de outubro, no Twitter.
"Nenhuma mãe ou pai merece ver seus filhos sendo vítimas de xingamentos [insultos] racistas. Minha solidariedade a Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, sua família e também aos turistas angolanos que sofreram ataques racistas ontem. Vamos construir um mundo sem racismo", escreveu Lula, no domingo.