Apelo ao voto útil e perda de força no papel de Oposição terão retirado votos ao Partido Comunista Português, que ficou com o pior resultado desde 1976.
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Com a perda de cerca de 96 mil votos na Coligação Democrática Unitária (CDU), a parceria do Partido Comunista Português (PCP) com o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) ficou, na legislativas de domingo, sem metade dos 12 deputados que a representava no Parlamento, incluindo os históricos António Filipe e João Oliveira. O Comité Central do PCP debate hoje os resultados, devendo apresentar conclusões amanhã. Politólogos como Filipe Teles avisam que, se o PCP não conseguir renovar a mensagem e a liderança, durante a próxima legislatura, então pode não conseguir recuperar o eleitorado que terá cedido ao apelo do voto útil em Costa.
Três freguesias. Em todo o mapa do Alentejo que, outrora, surgia consecutivamente pintado a vermelho, o PCP só venceu em três freguesias (Luzianes-Gare, em Odemira, Pias, em Serpa, e S. João dos Caldeireiros, em Mértola) e conseguiu eleger um deputado em Beja (em 3.º), depois de Évora não conseguir eleger João Oliveira.
O castigo e o desafio
Os locais recordam-se da "profecia" do presidente de Câmara comunista, em Beja, que previa resultados deste nível há 17 anos. "Quando se fazem afirmações de convergência à esquerda, em que só o PS tem que mudar, está tudo dito. A continuar assim, o PCP está a meter-se num gueto, que pode conduzir a uma votação na ordem dos 5 a 6%", disse Carreira Marques, em 2004, em entrevista ao JN.
Com apenas 4,39% dos votos, que significaram a escolha de 233 314 eleitores -menos 95 927 do que nas legislativas de 2019 -, o PCP tem de "repensar-se em mensagem e liderança para, nas próximas eleições, reconquistar o eleitorado que perdeu e que deu a maioria ao PS", recomendou Filipe Teles, pró-reitor da Universidade de Aveiro e doutorado em Ciência Política.
O primeiro desafio será encontrar o sucessor de Jerónimo de Sousa, sendo certo que o secretário-geral prepara a reforma e é preciso captar o eleitorado mais jovem. João Ferreira, vereador na Câmara de Lisboa, derrotado nas presidenciais de 2021, ou João Oliveira, até agora coordenador do Grupo Parlamentar do PCP, mas que falhou, agora, ser eleito por Évora?
"Sociologicamente, assistimos a um declínio do eleitorado do PCP porque o partido não está a conseguir convencer novos eleitores, não apresenta propostas novas e perdeu ainda o estatuto de oposição ao PS, que vinha representando de forma favorável", analisou Filipe Teles.
Na perspetiva do politólogo, o PS prejudicou duas vezes o PCP nestas eleições: levou os votos dos que acederam a dar a António Costa o "voto útil" e castigou o PCP por se ter aliado aos socialistas durante a "Geringonça". No Alentejo, o protesto pode ter "significado votos no Chega".
Evolução dos resultados
De um quinto para 4,39%
Em 1979, o PCP obteve os votos de mais de 1,1 milhões de eleitores, ficando com 18,8% dos votos e 44 deputados eleitos. A partir de 1991, captou sempre em torno de 8% dos votos, descendo em 2019 para 6,3%, que ainda valeram 12 eleitos. Agora, ficou-se por 4,39% (seis deputados).
Duas perdas/saídas
António Filipe
Com 60 anos feitos três dias antes das eleições, o histórico do PCP vinha sendo eleito por Santarém desde 1987, altura em que o PSD obteve maioria absoluta. Vice-presidente da Assembleia da República, entre 2002 e 2011, a que regressou em 2019, desempenhou ainda o cargo de vereador na autarquia da Amadora. Doutorado em Direito Constitucional, leciona na Universidade Europeia.
João Oliveira
Natural de Évora e licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi eleito deputado pela Coligação Democrática Unitária, pela primeira vez, em 2005. Consecutivamente reeleito pelas listas de Évora, passou a presidente do Grupo Parlamentar, em 2013. Évora ainda lhe deu quase 19% dos votos em 2019, este ano ficou com 14,56% e perdeu o lugar para o PSD (21,41%), com o PS a liderar (43,95%).
*com Teixeira Correia