O Governo desafiou o Chega a viabilizar novas alterações à lei da nacionalidade. Já os partidos de esquerda acusam a direita de manter portas abertas aos vistos 'gold'
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A nova legislatura começa como acabou: com um Parlamento dividido entre a Direita que pressiona por regras mais duras na imigração, com novas mudanças em vista, e a Esquerda que critica a exclusão dos imigrantes mais pobres devido a novas limitações ao reagrupamento familiar. A pedido do Chega, a lei da nacionalidade foi, esta quarta-feira, debatida em plenário, no dia em que o Governo entregou a proposta de alteração ao diploma.
André Ventura, abriu o debate com duras críticas ao PS, que acusou de ser responsável por “vender a nacionalidade”. Mas também o PSD, que acusou de ter “vendido a alma ao PS” por “medo de perderem o centro político”. Para o presidente do Chega, os sucessivos governos socialistas e sociais-democratas foram “frouxos em matéria de controlo de imigração”. Sobre o reagrupamento familiar, reiterou: os imigrantes devem estar “juntos no seu país [de origem], não em Portugal”. E se são imigrantes e cometem crimes, devem perder a nacionalidade – embora, note-se, não existam dados que confirmem uma correlação entre o aumento da criminalidade e a entrada de imigrantes no país.
Do lado do Governo, o ministro da Presidência também responsabilizou o PS por uma “herança errada que se vai pagar por décadas”, classificando a política socialista “um desastre”. Em contraste, destacou “as grandes mudanças” concretizadas pelo Executivo da AD há um ano. E desafiou Ventura: “Espero que o Chega contribua finalmente com o seu voto para que haja regulação da imigração a sério em Portugal”, afirmou, aludindo aos diplomas que serão discutidos na próxima semana.
Já Cristóvão Norte, deputado do PSD, defendeu que “a nacionalidade tem de ser valorizada, não banalizada”. O social-democrata rejeitou a ideia de que o partido esteja a “estigmatizar”, “radicalizar” ou “legislar contra quem chega ao país”, considerando que a ideia de que “o mero decurso do tempo” é suficiente para adquirir a nacionalidade é “irrealista”.
Recorde-se que o Governo quer aumentar os prazos de residência legal para a obtenção da nacionalidade: no caso de cidadãos com origem em países de língua oficial portuguesa passa dos atuais cinco anos para sete, e no caso dos cidadãos dos demais países para dez anos. Os prazos vão começar a contar a partir da obtenção do título de residência. No caso da cidadania originária, isto é, a atribuída no nascimento, será exigido que, pelo menos, um dos pais estrangeiros tenha residência legal, com um prazo mínimo de três meses. Além disso, a nacionalidade aos descendentes passa a ser atribuída não por defeito, mas apenas se manifestarem essa vontade.
Também Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, apontou responsabilidades às “medidas nocivas” do Executivo de António Costa. Para o liberal, o reagrupamento familiar “é desejável em condições normais”, mas, “por causa da Esquerda”, deve ser restringido.
Chega deturpa realidade, diz PS
Já o líder parlamentar do PS acusou o Chega de “deturpar” a realidade, esclarecendo que não é verdade que quem nasce em Portugal tem automaticamente a nacionalidade, já que a lei exige que os pais estejam legalmente residentes. Pedro Delgado Alves lamentou que o plenário não tenha servido para discutir as “melhores formas” de garantir que os imigrantes continuam a contribuir para o país.
Os restantes partidos da esquerda uniram-se nas acusações à direita, que apontaram manter as portas abertas aos vistos 'gold', que podem terminar na atribuição de nacionalidade. Rui Tavares, porta-voz do Livre, argumentou que as direitas “não têm interesse em resolver os problemas da nacionalidade ou da imigração”, acusando-as de protegerem interesses como estas autorizações de residência para atividade de investimento, cujos requerentes ficam de fora das novas restrições ao reagrupamento familiar.
Caso a proposta do Executivo seja viabilizada, para os imigrantes pedirem o reagrupamento familiar passará a ser exigido um prazo de dois anos, com exceção dos estrangeiros com autorizações de residência por serem quadros qualificados. Os únicos candidatos admitidos que já residam em Portugal serão os menores.
Já a líder parlamentar do PCP, Paula Santos, considerou que “se houve algum descontrolo na atribuição da nacionalidade” deve-se à falta de critérios para a obtenção dos vistos 'gold', bem como a “lei dos sefarditas” que tem levado a um esquema de atribuição “fraudulenta” para "milhares de cidadãos israelitas".
A crítica aos vistos 'gold' foi também partilhada por Mariana Mortágua, do Bloco de Esquerda. “Aí não há problemas em falarem ou não a língua portuguesa, desde que paguem 400 mil euros”, afirmou, acusando ainda o PSD e a IL de cederem ao “oportunismo” e à “política racista e xenófoba” do Chega.
Inês de Sousa Real, porta-voz do PAN, também partilhou da opinião de que as políticas do Governo estão a distinguir “quem tem dinheiro e quem não tem”, e questionou Leitão Amaro sobre o que está a ser pensado para garantir a aprendizagem da língua portuguesa. O governante respondeu com a contratação de mediadores culturais nas escolas.
Que outras regras propõe o Governo?
Na proposta são acrescentados como requisitos a realização de testes para verificar se os requerentes da naturalização têm conhecimento suficiente da língua e cultura portuguesa e dos “direitos e deveres fundamentais inerentes à nacionalidade portuguesa e à organização da política da República”. Os candidatos não podem ter “condenações graves” nem representar “ameaça à segurança nacional”.
Além disso, o Governo quer introduzir um mecanismo de perda da nacionalidade para imigrantes condenados a, pelo menos, cinco anos de prisão. Deverá ser só aplicado como sanção acessória a cidadãos naturalizados há menos de dez anos que cometam crimes graves. A medida levanta dúvidas quanto à sua constitucionalidade. Já os pedidos de naturalização serão inviabilizados caso os requerentes tenham sido condenados a penas efetivas de prisão, e não apenas a penas iguais ou superiores a três anos, como prevê a versão da lei em vigor.
O novo regime deverá ser aplicado apenas no futuro, com uma exceção para os procedimentos do regime-regra da naturalização pendentes à data da publicação da lei, iniciados após 19 de junho, data em que foi viabilizado o programa do Governo.