Algumas cidades estão a pintar sinalética no pavimento para alertar os condutores de automóveis que ali circulam bicicletas. Outras apostam em limitar a velocidade dos veículos motorizados, criar zonas de coexistência, fazer ciclovias pop-up. São estratégias que visam tornar mais seguras as ruas onde não existem canais segregados para os diferentes utilizadores.
Corpo do artigo
Em Torres Novas, ultima-se a pintura de pictogramas de bicicletas no pavimento, chamadas "Shared Lane Arrows" ou "Sharrows", para indicar uma zona onde é expectável encontrar pessoas a circular de bicicleta. A ideia é alertar os automobilistas que têm de adequar a velocidade para partilharem a via.
A MPT, a empresa de planeamento e gestão de mobilidade que idealizou o projeto em Torres Novas, quis ir mais além e somou "alguma criatividade e arte urbana", para ajudar as pessoas a refletirem, explica a CEO Paula Teles. As linhas entre os "sharrows" foram personalizadas, fazendo alusão às muralhas do castelo e simulando o ritmo cardíaco.
Como a partilha da via "ainda não é um hábito da população portuguesa", a empresa procurou uma forma de "tornar ainda mais evidente" a sinalização e chamar efetivamente a atenção dos condutores, procurando que reduzam a velocidade para que a circulação seja mais segura para os ciclistas. "Onde não é possível fazer uma via diferenciada, vamos reforçar a sinalética com esta ideia, para alertar os condutores que por ali também andam ciclistas e têm de moderar a velocidade", sublinha Paula Teles, explicando que há quem evite andar de bicicleta nas cidades por considerar que "ainda não têm segurança".
Pintar seis quilómetros de ruas custa 20 mil euros
Naquela cidade ribatejana estão a ser implementadas outras medidas, como um projeto de bike sharing com 24 bicicletas elétricas e decorre um estudo prévio para ciclovias - que só serão implementadas quando houver fundos, pois obriga a uma reestruturação de arruamentos, adianta fonte da Autarquia. Os "sharrows", por serem uma estratégia "mais económica", permitem ir dando passos no fomento da mobilidade urbana. Os cerca de seis quilómetros de ruas que levarão estes símbolos custarão aos cofres municipais cerca de 20 mil euros.
Mais a norte, em Braga, também já estão a ser implementadas medidas como "sharrows" e sinalização que limita a velocidade ao máximo de 30 quilómetros/hora em algumas zonas centrais da cidade.
"Há sítios onde não é possível fazer ciclovias segregadas, mas é possível aplicar medidas de acalmia de trafego. Sem elas, o medo e o sentimento de insegurança permanecem
Mário Meireles, presidente da associação Braga Ciclável, realça que a partilha de via por vários utilizadores "sempre existiu" e "a colocação de "sharrows" só vem tornar mais evidente que a coexistência pode acontecer". Mas só a sinalização não chega, é "essencial que seja acompanhada de medidas efetivas de acalmia de tráfego automóvel", diz, apontando exemplos: o estreitamento da via, sobrelevação de passadeiras, gincanas, tratamento de cruzamentos.
"Há sítios onde não é possível fazer ciclovias segregadas, mas é possível aplicar medidas de acalmia de trafego". Sem elas, explica, "o medo e o sentimento de insegurança permanecem".
Para além de medidas concretas no terreno, é também preciso "preparar os ciclistas", para saberem como "abordar" a estrada, acrescenta Rosa Félix, investigadora na área da mobilidade
Em Portugal, grande parte dos centros urbanos já estão muito consolidados do ponto de vista urbanístico e estar a arranjar espaço para pistas cicláveis não é fácil
Ana Bastos, do Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente da Universidade de Coimbra, realça que o primeiro passo é "hierarquizar as redes e atribuir funções às diferentes vias". Nas circulares (concebidas para terem grande capacidade e velocidade de forma a facilitar a circulação automóvel e evitar atravessamentos desnecessários dos centros) e vias estruturantes, não há condições para haver bicicletas misturadas e são necessários canais "segregados". Em ruas mais residenciais, onde as velocidades são baixas, "há condições propícias à partilha de utilização por diferentes utilizadores".
"Em Portugal, grande parte dos centros urbanos já estão muito consolidados do ponto de vista urbanístico e estar a arranjar espaço para pistas cicláveis não é fácil", explica Ana Bastos, considerando que a solução para fomentar modos suaves passará por delimitar zonas de 30 km/h e zonas de coexistência - com limite de 20 km/h e prioridade igual para todos os utilizadores. Estes conceitos vão "muito para além de sinalizar", pelo que é necessário adotar "um conjunto de medidas de acalmia de tráfego e também de requalificação do espaço e desenho urbano que potenciam essa partilha pelos diferentes utilizadores". Essa é, na sua opinião, "a solução para grande parte dos nossos espaços urbanos mais consolidados, como os centros históricos, onde não temos possibilidade nem disponibilidade de espaço para segregar"