Um grupo de cientistas do movimento "Scientist Rebellion Portugal" trancou, esta quarta-feira de manhã, a entrada da Secretaria-Geral do Ministério do Ambiente, em Lisboa, contra a inação dos governos no combate às alterações climáticas. Os ativistas apelam a que o Governo oiça os alertas da comunidade científica.
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Pouco antes das 9 horas, sete cientistas do movimento por justiça climática trancaram a porta principal do Ministério do Ambiente com um cadeado e colaram, nas paredes do edifício, alguns artigos científicos com alertas da comunidade científica para a necessidade de se responder com urgência às alterações climáticas.
"A ciência é clara - Gás + Carvão + Petróleo = catástrofe climática", podia ler-se na faixa que dois dos ativistas seguravam. "Estamos em crise climática e o nosso Governo continua a não levar a crise a sério", diziam enquanto tentavam bloquear a entrada do edifício.
Rapidamente, um segurança reagiu ao protesto, tentando retirar a faixa das mãos dos ativistas e os panfletos que estavam colados. "São ambientalistas a colar papéis na parede?", reagiam algumas pessoas que se encontravam noutra porta do edifício. Os ativistas não mostraram resistência à repressão do segurança e decidiram deixar o local passados poucos minutos. A polícia foi chamada ao local, mas o protesto já tinha desmobilizado.
Teresa Santos, bióloga e membro do movimento, afirma que a inação governamental "não é um problema de agora, é um problema sistémico", alertando que contribuí para uma trajetória preocupante e sem retorno. "Os governos a nível mundial são reféns dos interesses económicos das indústrias fósseis e tem-se mostrado incapazes de tomar medidas que enfrentem verdadeiramente a crise climática. Os verdadeiros radicais são mesmo as indústrias fósseis e os governos que nos estão a levar para o abismo". defende.
Em Portugal, os ativistas acusam o Estado de "greenwashing" por avançar com projetos para explorar o uso de hidrogénio e receber mais gás natural ao invés de investir nas energias renováveis de forma a garantir que a eletricidade utilizada no país provenha a 100% destas fontes. "É assustador quando nós sabemos que querem duplicar, já para o ano ou daqui a dois anos, a quantidade de gás fóssil recebido para usar em Portugal", sublinha Hugo Paz, ativista do coletivo. Ainda assim, o jovem diz ter esperança na mobilização da sociedade civil, em que "há cada vez mais pessoas a imaginar como é que pode ser um mundo melhor, em que o desenvolvimento não é igual ao crescimento económico".
"A tentativa de limitar abaixo a temperatura global para 1,5ºC até ao final deste século não é um objetivo, é um limite. A partir daí, é cada vez mais provável que tenhamos um colapso da sociedade. Se atualmente, nos 1,2ºC graus, assistimos a secas extremas na Península Ibérica e os problemas que traz à agricultura, como é que num mundo a 1,5, a 2 ou a 3ºC será possível alimentar as pessoas?", atira a bióloga. "Se a comunidade científica tivesse sido ouvida desde o primeiro dia, talvez não tivéssemos chegado a este ponto", resume a bióloga.
Cristiano, um dos membros do coletivo que participou na ação desta manhã, recorda que há décadas que a ciência tem sido clara sobre a crise climática e os seus impactos, justificando que a falta de inação não é sinónimo de falta de informação sobre o problema. "Desde o início das COP [Cimeira das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas] que grande parte dos governos são confrontados com a ciência e com os relatórios do IPCC [Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas] que têm de ler e aprovar. Os governos têm é receio de tomar medidas radicais e, até, dizer a verdade à própria população", defendeu o médico e cientista na área da saúde. "O problema é que os governos pensam nos ciclos eleitoras de quatro anos e nós temos que pensar em gerações. Os nossos filhos, pelo menos os mais novos, com a esperança média de vida atual, vão chegar a 2100. É esse o horizonte que nós temos em conta", advertiu.
Esta ação está inserida na campanha "Parar o Gás" e respondeu também ao apelo internacional da campanha "The Science Is Clear" ("A Ciência é Clara", em português). Durante esta quarta-feira, mais de 1000 cientistas e ativistas do movimento vão juntar-se a ações diretas em vários países do mundo para denunciar a inação governamental no combate às alterações climáticas face aos múltiplos avisos da comunidade científica, em especial do último relatório do IPCC que visa a necessidade de se reduzir drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa.