O receio de não terem as mesmas oportunidades de acesso a empregos qualificados leva a que haja ciganos, sem a fisionomia característica da etnia, a esconder a identidade.
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Apesar de terem as mesmas habilitações, serem da mesma universidade e terem a mesma média de curso de outros candidatos, são preteridos nas entrevistas, sob o argumento de que "a vaga já foi preenchida", quando, na realidade, estão a ser vítimas de discriminação.
"Do ponto de vista das entidades empregadoras, há a imagem socialmente construída de que os ciganos roubam e mentem, o que é um entrave à inserção no mercado de trabalho, fora das ocupações tradicionais", explica a coordenadora do Observatório das Comunidades Ciganas e investigadora da Universidade do Minho, Maria José Casa-Nova. "Temos centenas de pessoas inscritas nos centros de emprego a quem dizem, quando vão a entrevistas: 'Lamento, mas o lugar já está ocupado'".
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A investigadora explica que, devido a essa situação, há ciganos que omitem que o são. "Escondem a sua pertença com receio (real ou simbólico) de que possam ser alvo de represálias. Isto resulta de séculos de discriminação", assegura. Vice-presidente da Associação Letras Nómadas, Bruno Gonçalves Gomes confirma que há pessoas da sua etnia, "sem traços físicos identitários", que chegam a eliminar os perfis das redes sociais porque sabem que podem ser "alvo de escrutínio" dos recursos humanos das empresas.
É muito importante construir relações de sociabilidade interculturais para desconstruir estas ideias falsas
Apesar disso, Maria José Casa-Nova regista uma "melhoria", pois já se encontram ciganos com cursos superiores a trabalhar, por exemplo, em bancos e escritórios de advogados. Para os incentivar a prosseguirem os estudos, foi criado o Opre - Programa Ocupacional para a Promoção da Educação, promovido pelo Alto Comissariado para as Migrações, que disponibiliza, todos os anos, 25 bolsas de estudo a estudantes desta etnia. Bruno Gomes, mentor do projeto Opre, revela que, em quatro edições, licenciaram-se dez ciganos e um concluiu um mestrado. Entre os licenciados, cinco estão a trabalhar nas áreas de formação. Este ano letivo, há 32 estudantes a frequentar licenciaturas e cinco em mestrados. O Gabinete da Secretária de Estado para a Integração e as Migrações acrescenta que os cursos mais escolhidos foram Educação Social e Direito e salienta a grande diversidade de percursos formativos. "Pela primeira vez, há um estudante em Medicina."
A pensar na população mais vulnerável, no ano passado foi também criado o Programa Roma Educa, que atribuiu 49 bolsas a alunos do secundário, adianta a Secretaria de Estado. "Em janeiro, um parecer do Comité Consultivo da Convenção-Quadro para a Proteção das Minorias Nacionais do Conselho da Europa reconhece que se registaram progressos na participação escolar de crianças ciganas em todos os níveis de ensino, fruto da concessão de bolsas de estudo, bem como da ação de mediadores ciganos, das autoridades locais e do Programa Escolhas."
Números
25 000 alunos ciganos frequentam o sistema de ensino, desde o Pré-Escolar ao Secundário. Lisboa, Porto e Braga são os distritos com mais estudantes desta etnia.
32% vivem em tendas ou barracas. "Esta situação é absolutamente indigna, violadora de um direito humano fundamental", afirma Maria José Casa-Nova.