Incentivada pelos pais a tirar um curso superior, Ana diz que foi vítima de preconceito pela própria etnia: "A evolução tem de começar por dentro".
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Ana Faneca, 24 anos, está a terminar o mestrado em Direito Geral, na Universidade Católica do Porto, e quer ingressar no Centro de Estudos Judiciários para ser juíza. Uma ambição igual à de qualquer outro jovem, mas pouco comum numa cigana. Incentivada pelos pais a tirar um curso superior, garante só ter sido alvo de preconceito por parte de pessoas da etnia, apesar de cumprir as tradições da comunidade.
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Quando Ana se "mudou" para o Porto, aos 18 anos, foi viver para um apartamento com a irmã Alcina, então a frequentar o último ano de Direito, e com outras pessoas. "Quando a minha irmã foi estudar, começaram os comentários: íamo-nos perder sozinhas numa cidade tão grande, íamo-nos portar mal", conta. "A educação é um direito de todos, e não era por estarmos longe que não íamos respeitar a nossa cultura", assegura.
"Grande parte da etnia está malvista, por um lado, porque as pessoas são racistas e, por outro lado, há um grande problema dentro da comunidade cigana, porque não se quer integrar", afirma Ana. "Tem de haver uma evolução de dentro para fora", defende. Integrada na comunidade de Torre de Moncorvo desde a geração dos avós, a família Faneca é igual a tantas outras.
Os meus pais são a favor da educação
A mãe Alcina, de 51 anos, incentivou os quatro filhos a ler desde pequenos, e o pai António, de 53 anos, sempre lhes disse que tinham de tirar um curso superior e ter uma profissão. "Os meus pais são a favor da educação, do saber estar e do saber falar", explica Ana. Contudo, sublinha que a família cumpre as tradições ciganas, como o casamento e o luto. "As minhas duas irmãs casaram com ciganos, mas não houve essa imposição. Sempre fomos livres de escolher o nosso caminho."
Estudante aplicada, Ana concorreu a Direito com média de 17 valoIres, pelo que recebeu uma bolsa de mérito, que lhe deu descontos nas propinas no 1.º e 2.º anos. No 3.º ano, perdeu direito à bolsa, porque esteve a fazer Erasmus em Barcelona, Espanha, e não conseguiu equivalência a todas as disciplinas, o que a obrigou a repetir.
Ana só se candidatou no ano passado a uma bolsa do Opre - Programa Operacional para a Promoção da Educação, dirigido a jovens da comunidade cigana a estudar no superior. "Se não fossem os meus pais, não tinha conseguido tirar o curso, porque as propinas são muito caras", explica, reconhecida. "Não vejo muitos ciganos com a mentalidade do meu pai. É muito aberto, quer que sejamos mais cultos e que tenhamos acesso a tudo aquilo que ele não teve."