O ditador espanhol Francisco Franco vai continuar a constar como doutor "honoris causa" pela Universidade de Coimbra, ao contrário da de Santiago de Compostela, que retirou o caudilho da sua "lista de ilustres", e da de Salamanca, que "rejeitou a concessão" daquele título.
Corpo do artigo
"A Universidade de Coimbra não revê as suas atribuições de grau "honoris causa", mesmo que se revele terem sido um erro", respondeu ao JN a reitoria da UC.
Franco "não reúne os méritos científicos nem pessoais para ostentar esta honra e, em consequência, o seu nome é retirado da lista de ilustres honoris causa", onde constava desde 1965, anunciou a universidade galega em novembro de 2006, em plena discussão da Lei da Memória Histórica 2007, que visa reparar as vítimas do franquismo (1936-75).
A castelhana não retirou o título, devido a "dificuldades jurídicas, mas, a 30 de abril de 2008, decidiu "rejeitar a concessão". O caudilho "não reunia nenhum mérito académico, científico, social ou pessoal para ostentá-lo", justificou, observando que a distinção fora atribuída, em 1954, "sob condições de extrema coação".
Não reescrever a história
"A História não se reescreve, e a história da Universidade de Coimbra, tão longa, não se fez só com decisões acertadas", justifica a reitoria, notando que a concessão do título em 25 de outubro de 1949 foi, "de certeza, a pedido do Governo", num "momento histórico em que tinha um controlo apertado sobre as universidades". Os seus órgãos "não o fariam por sua iniciativa".
Não há dúvida: a atribuição do título a Franco é "política" - como foram muitas a chefes de Estado, políticos e intelectuais "identificados com o fascismo", de que são exemplos o historiador fascista italiano Gioachino Volpe (1937), Franco e o seu ministro Lopez Rodó (1973), exemplifica o historiador Luís Reis Torgal.
Ouvido pelo JN, o autor de um extenso artigo sobre doutoramentos publicado em 1993 na "Revista de História das Ideias" discorda da retirada de títulos. "A Universidade deve assumir a sua história" e "as suas próprias vergonhas".
A entronização académica teve um papel central na visita de Franco a Portugal entre 22 e 27 de outubro de 1949 - a única fora do país na longa ditadura -, numa altura em que Espanha estava tão isolada que só a Santa Sé e Lisboa mantinham com ela relações diplomáticas ao nível de embaixadas.
Olhada com reservas, primeiro, nomeadamente por Inglaterra, contribuiu para a progressiva aceitação internacional, até para conter o "perigo comunista" que poderia passar os Pirenéus.
A ideia do doutoramento, cujo padrinho foi o cardeal Cerejeira, pertence ao então ministro dos Negócios Estrangeiros, José Caeiro da Mata, segundo o historiador António Pedro Vicente.
No elogio biográfico, Guilherme Braga da Cruz (o doutorado mais jovem) não poupou em encómios.
Referindo-se ao mesmo responsável por uma guerra civil sangrenta e por uma ditadura feroz (somando centenas de milhares de vítimas), disse dever-se a Franco o "prémio mais expressivo de uma vida votada inteiramente ao ideal de paz e de justiça", que "nunca utilizou a força dos seus exércitos senão ao serviço do direito".