Queda abrupta registada entre março e junho está longe de ser recuperada. Dadores não estão a ser sinalizados com o mesmo ritmo, o que prejudica o regresso à normalidade.
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Entre março e junho, a atividade de transplantação sofreu uma quebra de 52% por causa da pandemia covid-19 e a retoma está a ser demorada. O ritmo de sinalização de potenciais dadores tarda em voltar ao que era e há doentes que estão "a perder oportunidades únicas" de substituírem um órgão em falência.
O alerta é da Sociedade Portuguesa de Transplantação que, no Dia Nacional da Doação de Órgãos e da Transplantação, que se assinala hoje, volta a frisar a necessidade de os doentes transplantados e à espera de transplante não serem esquecidos.
Nos meses de março, abril, maio e junho, houve menos 52% de transplantes em relação ao mesmo período de 2019, o que representa uma redução de 307 para 147 transplantes. A doação de órgãos sofreu uma diminuição de 55% nos dadores falecidos (121 dadores em 2019 contra 59 em 2020), de 78% no caso dos dadores vivos e de 100% nos dadores sequenciais, segundo o Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST).
Só atividade urgente
No pico da pandemia, com a suspensão da atividade cirúrgica programada, realizaram-se apenas os transplantes urgentes. Os transplantes renais de dador falecido, os mais expressivos no país, caíram significativamente e os números do primeiro quadrimestre [ler ao lado] só não são piores porque "janeiro e fevereiro correu muito bem", refere a presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT). Os transplantes de rim a partir de dador vivo caíram para 12 entre janeiro e abril, contra 20 realizados no mesmo período de 2019, adianta Susana Sampaio.
Com a retoma progressiva das cirurgias programadas, assiste-se a um lento regresso à normalidade na área da transplantação. "Um dos problemas que atualmente notamos é que os dadores não estão a ser sinalizados como no passado", afirma Susana Sampaio.
Anos de vida perdidos
Porquê? As razões podem ser várias e devem ser analisadas com o objetivo de melhorar e não como críticas, adverte a médica nefrologista do Hospital de S. João, no Porto. "Até há bem pouco tempo, as unidades de Cuidados Intensivos estavam cheias de doentes covid; por outro lado, as pessoas ainda estão preocupadas com o que está a acontecer e evitam os cuidados de saúde e há muitos profissionais que ainda estão direcionados para a infeção covid-19", nota Susana Sampaio.
A especialista admite que há "uma franja de doentes que perderam meses e até anos de vida" porque o adiamento, por exemplo, de um transplante renal significa que o doente continuará a fazer diálise e terá um maior risco de doença cardiovascular. Há pessoas "que podem ter perdido oportunidades únicas" de transplante, reconhece a presidente da SPT. Também o diretor do Serviço de Transplantação de Medula Óssea do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto reconhece que há doentes que não chegarão a ser transplantados por causa da pandemia.
"Preocupada" com o inverno e com a sobrecarga da covid-19 nos hospitais, a líder da SPT teme novo impacto na transplantação. "Vamos ter de ter atenção para que não haja uma diminuição tão grande dos doentes", alerta.
Transplante cruzado antes de o país fechar
Portugal fez em março o primeiro transplante renal cruzado internacional, dirigido a doentes com grandes incompatibilidades imunológicas, "uns dias antes" do estado de emergência. Foi a 12 março e os pares eram do Centro Hospitalar Universitário do Porto e da Fundación Puigvert de Barcelona. Em 2019, o programa de doação renal cruzada permitiu fazer seis transplantes de dador vivo em dois ciclos de três transplantes cada um.
2019
Mais 49 transplantes
Em 2019, foram transplantados 878 órgãos, mais 49 (5,9%) do que no ano anterior, segundo dados recentes do Instituto Português do Sangue Transplantação (IPST).
Doação aumentou
A doação de órgãos aumentou 3,4% no ano passado, face a 2018, tendo sido registados um total de 430 dadores.
Órgãos envelhecidos
As causas de morte foram em 80% dos casos por doença e destas, 82% por acidente vascular cerebral. Com a morte dos dadores cada vez mais tardia, aumenta o número de órgãos com critérios marginais ou mesmo sem critério para doação, alerta a Coordenação Nacional da Transplantação.
Dador com 90 anos
Em 2019, foi atingido um novo limite com o dador mais idoso, com 90 anos, que foi dador de fígado e o órgão foi transplantado com sucesso.
Recorde no pulmão
O transplante cardíaco diminuiu 12% em 2019, em parte devido ao envelhecimento populacional, explica o IPST. Já o transplante pulmonar bateu um recorde, crescendo 40% face a 2018.
Transplante renal
O transplante renal, que representa 59% de todos os órgãos transplantados, aumentou 2,4% (mais 12 transplantes) em 2019, à custa das intervenções de dador vivo.