Pandemia acelerou alterações ao modelo de organização laboral. Trabalho em casa traz poupanças, mas acarreta novos problemas.
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Os modelos de organização do trabalho estão a mudar e há cada vez mais pessoas a trabalhar a partir de casa, sobretudo num regime híbrido em que alternam com serviço presencial. A pandemia abriu esta porta, mas hoje o teletrabalho está longe de ser motivado apenas por questões de saúde. Os especialistas identificam vantagens como a poupança e a comodidade, embora esta alteração também acarrete novos desafios e dificuldades.
No primeiro trimestre deste ano, 19% dos residentes em Portugal trabalharam pelo menos um dia em casa, revela o INE, no inquérito ao emprego. Há, agora, 937 mil pessoas a trabalhar a partir de casa, o que representa um aumento de 57 mil pessoas face ao último trimestre do ano passado. Porém, o aumento só ocorreu entre os que conciliam o teletrabalho com o presencial e entre os que fazem horas extraordinárias.
Esser Jorge Silva, sociólogo, docente e investigador, não tem dúvidas de que a pandemia acelerou a transformação: "As dificuldades existentes em impor o trabalho à distância por via legislativa foram "naturalmente" ultrapassadas e ajudadas por dinâmicas introduzidas pela pandemia".
João Cerejeira, investigador e docente em Economia do Trabalho, corrobora e nota que, nalgumas empresas, o trabalho híbrido já "é condição" para a contratação. Com quem já tem contrato de trabalho, "é preciso uma conjugação de vontades" entre o patrão e o funcionário. Mas ambos podem beneficiar do regime.
Do lado do patrão, acrescenta João Cerejeira, o teletrabalho "traz vantagem em termos de poupança de espaço" e, por consequência, de custos. Do ponto de vista do trabalhador, há "a poupança dos custos de transporte e o ganho de comodidade do tempo que não se perde" em deslocações, sobretudo nas grandes cidades, "onde o transporte público tem problemas" e o volume de emprego ligado a setores de serviços propicia a laboração em casa.
De facto, quase metade das pessoas que fazem teletrabalho residem na Área Metropolitana de Lisboa. Segundo o INE, o perfil mais comum do teletrabalhador é mulher, tem 45 anos ou mais, trabalha por conta de outrem a tempo inteiro e em atividades intelectuais e científicas. Todas as semanas fica quatro dias a trabalhar em casa e, no outro, vai para a empresa.
surgem novos problemas
Esser Jorge Silva prevê que o número de pessoas em teletrabalho continue a aumentar, também por causa "do incremento acelerado em que entrou o recurso empresarial à inteligência artificial". Contudo, constata que o aumento do regime híbrido "mostra como as organizações ainda não confiam" a 100 por cento na ideia de ter uma relação "totalmente distanciada com os seus colaboradores".
Em parte, esta desconfiança pode resultar de "novos problemas" que, segundo Esser Jorge Silva, o teletrabalho "está a fazer emergir". São exemplo disso "o aumento de responsabilidades dos trabalhadores além do que o tempo de trabalho admite", menos oportunidades de "obter esclarecimentos junto de supervisores e colegas", "sentimentos de distância e isolamento dos teletrabalhadores", mal-entendidos com a tecnologia e "sentimentos de insegurança e desconfiança na comparação com colegas da organização".
PAGAMENTO DE DESPESAS
Portaria que simplifica o processo está por publicar
A portaria que simplifica o pagamento de despesas relacionadas com o teletrabalho está por regulamentar. O pagamento está previsto na lei desde o ano passado, mas o ónus de requerer e comprovar as despesas adicionais é do trabalhador. Além disso, o pagamento não pode ser tributado, o que complexifica as formas de transferência do dinheiro.
Ao JN, o Ministério do Trabalho não adianta quando é que planeia concluir a portaria. No setor público, o Ministério do Planeamento não recebeu, até ontem, qualquer "solicitação de pagamento das despesas".