Em 2021 foram registadas 820 crianças em Portugal sem o nome do pai, mais 301 do que em 2020, ano em que foram registadas 519 crianças nessa situação. O número dá uma média de dois bebés por dia sem nome de pai. Os dados são do Instituto do Registo e Notariado, organismo que revela ainda que, no ano passado, não houve crianças registadas nas conservatórias sem nome da mãe. Mas em 2020 foram declaradas oito crianças nessa situação.
Corpo do artigo
As entidades oficiais não têm uma explicação para este aumento. O número é variável e em 2019 foram mais de 1400. Em causa poderão estar questões sociológicas, nomeadamente "mais relações sexuais ocasionais" e o facto de "cada vez menos as pessoas associarem a maternidade ou paternidade a uma relação efetiva", refere Maria do Céu Pires, juíza do Tribunal de Família e Menores do Barreiro.
Na Conservatória, quando falta o nome do pai ou da mãe, o caso é comunicado ao Ministério Público (MP), que faz diligências para saber quem é o progenitor em falta. Se se conseguir saber quem é, há um despacho de viabilidade e o MP intenta uma ação. Depois caberá ao tribunal produzir prova, nomeadamente recorrendo a exames biológicos. Quando não se consegue, o processo é arquivado.
Nos casos em que houve recurso a tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) realizados em Portugal, em centros reconhecidos, "não vai haver averiguação" porque a identidade do doador é preservada, explica a juíza. Contudo, uma mulher que vá ao estrangeiro fazer uma inseminação artificial "faz depois o registo em Portugal e corre a averiguação oficiosa de paternidade, acabando geralmente o MP por dar um despacho de não viabilidade e não instaurar ação".
O caso de crianças sem registo de nome de mãe poderá dever-se, por exemplo, a homens que recorreram a barrigas de aluguer. A juíza, que se informou junto do procurador do Ministério Público, relata o caso de um homem, homossexual, que "recorreu a uma barriga de aluguer na Ucrânia, trouxe a criança para cá e registou-a só com o nome dele".
Menos PMA em Portugal
Carla Rodrigues, presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, revelou ao JN que, no ano passado, houve uma "drástica redução" do número de crianças nascidas em resultado destes tratamentos, pelo que não justifica o aumento de registo de crianças sem pai. 2020 foi "um ano catastrófico para a PMA também" devido à pandemia, explica. A dificuldade poderá ter levado algumas mulheres a recorrerem a tratamentos noutros países, nomeadamente em Espanha.
Em 2020, nasceram 87 crianças de casais de mulheres e 121 de mulheres sem parceiro, fruto de tratamentos de PMA em Portugal. Em 2021 (as crianças nascidas resultam, na grande maioria, de tratamentos realizados em 2020), os dados, ainda preliminares, revelam que nasceram 38 crianças de casais de mulheres e 47 de mulheres sem parceiros. Os números aglutinam os tratamentos realizados no SNS e nos centros privados reconhecidos em Portugal, sendo que a grande maioria decorreram em privados porque o SNS não consegue dar resposta aos pedidos (ler texto ao lado).
SNS sem resposta para aumento da infertilidade
Atualmente os centros de procriação medicamente assistida (PMA) ainda estão a "sofrer o impacto" da pandemia, devido aos tratamentos que foram cancelados ou adiados. "No SNS, o problema está cada vez a agravar-se mais porque há mais procura, mas não há um aumento da capacidade de resposta. Cada vez menos o SNS responde às necessidades", explicou Carla Rodrigues. "Há um aumento da procura porque a infertilidade está a aumentar, bem como a procura de tratamentos de PMA por parte de mulheres sem parceiro e de casais de mulheres, ao qual o SNS não dá resposta. Estes aumentos vão-se refletir nos centros privados, que têm tido um aumento muito grande". É necessário, por isso, que a capacidade seja "reforçada", tal como é defendido no relatório do grupo de trabalho criado há um ano pelo Governo, mas cujas principais propostas ainda não avançaram. A exceção foi o alargamento, para os 50 anos, dos tratamentos de PMA em mulheres que tiveram doenças graves e criopreservaram os gâmetas.
Detalhes
Sem pai e sem mãe
O registo de nascimento ocorrido em Portugal é obrigatório pelo Código do Registo Civil e do mesmo depende a existência jurídica da criança. A lei não impede que uma criança seja registada sem pai, sem mãe ou ambos; apenas veda que se mencione no registo que estes são incógnitos, por se tratar de uma menção discriminatória.
Remeter ao MP
Feito um registo de nascimento de menor sem filiação paterna, o conservador deve remeter ao Ministério Público certidão de cópia integral do registo para que averigue oficiosamente a identidade do pai. Caso tal não seja viável, o processo é arquivado.