Centenas de cristãos concentraram-se, durante a noite desta quarta-feira, em frente ao Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, numa vigília de oração em solidariedade para com as vítimas de abusos sexuais por membros da Igreja. Admitem sentir "vergonha" por estas situações. O cardeal patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, também marcou presença na vigília, tendo-se juntado em oração.
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Numa ação em que o silêncio e a luz das velas simbolizam a esperança que têm, largas centenas de leigos e membros do clero juntaram-se esta noite a uma vigília pelas crianças e menores que foram abusados sexualmente por membros do clero. Pedem essencialmente o perdão das vítimas. "Sentimos que o relatório não nos era indiferente e queríamos dar o nosso testemunho. Quisemos dar esse testemunho, fazendo um gesto público de perdão", afirmou Joaquim Costa, um dos porta-vozes da iniciativa, em declarações aos jornalistas. "Temos de interiorizar o sofrimento das vítimas como primeiro passo para uma transformação", apontou.
Assim que o ponteiro bate nas 21 horas fez-se silêncio total: com as velas acesas começa a oração. A maioria mantém-se de pé, mas há quem se faça acompanhar de um pequeno banco desdobrável. Os que se vão juntando aos poucos trazem a sua própria vela ou é-lhes dada uma por alguém do grupo de leigos que organizou a iniciativa assim que se aproximam do monumento.
Nesta Quarta-feira de Cinzas, são várias as concentrações em dioceses portuguesas que, durante uma hora - das 21 às 22 horas -, vão estar em silêncio total. Rezam pelas milhares de vítimas que terão sido abusados por membros do clero durante mais de 40 anos. Os casos foram conhecidos no relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica, apresentado na semana passada, e que ainda será objeto de apreciação pela hierarquia da Igreja Católica.
"Acho que todos os cidadãos portugueses e a sociedade em geral têm uma atitude de repúdio perante os abusos. Aqui o que nos acresce é que sentimos uma vergonha porque somos membros da Igreja e porque isto se refere evidentemente aos abusadores em concreto, mas abusadores em situações de poder, de autoridade na Igreja", apontou Joaquim Costa, relembrando que muitas destas situações não aconteceram num passado assim tão distante.
"Este é um gesto de oração por aqueles que sofrem, como nós dizemos, a dor pela dor dos outros. Mas também de misericórdia e de esperança", sublinhou, ao JN, Paulo Câmara, um dos subscritores da iniciativa. Paulo Câmara, focado na mensagem passada pelo silêncio da oração, disse não ser tempo para falar sobre o que a Igreja deve fazer para responder ao problema. "O que está em causa é que deve haver uma mudança", defendeu.
Neste início de quaresma, Ângela Luís decidiu juntar-se à vigília silenciosa. "Reagi com alguma triste a este descalabro na Igreja, mas é algo que não me derrotou. Pelo contrário, deixou-me mais forte na oração", contou, ao JN, a católica de 61 anos. "Ainda estamos no princípio, vamos ver o que irá surgir. Penso que isto fez com que a Igreja esteja mais em alerta", apontou.
Também marcaram presença na vigília vários deputados do grupo parlamentar do Chega, incluindo André Ventura que disse ter marcado presença enquanto católico e não como partido político.
Recorde-se que, desde que encontrou em funções em janeiro de 2022 e até que deu por terminado o seu trabalho, a comissão recebeu 512 queixas respetivas a 4815 vítimas que terão sido abusadas. Foram remetidos 25 casos para o Ministério Público. No seguimento destas participações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) avançou esta quarta-feira que abriu 22 inquéritos, sendo que oito estão em investigação.
Além de Lisboa, também o Porto (junto à Torre dos Clérigos), Braga (em frente à Igreja dos Congregados), Coimbra (no Largo da Sé Nova), Santarém (junto à Igreja do Seminário) e Ponta Delgada (em frente à Igreja do Colégio), entre outras cidades, juntaram-se a esta iniciativa.