Custo dos acidentes rodoviários em 2019 é igual ao preço a pagar pelo resgate da TAP
Em 2019, baixou o número de vítimas mortais, mas houve mais acidentes com mortos e feridos. Metas não serão atingidas.
Corpo do artigo
A sinistralidade custou 3,713 mil milhões de euros no ano passado. O custo social e económico corresponde a quase 1,6% da riqueza produzida no país e seria suficiente para pagar o resgate da TAP proposto pelo Governo, até 2024. O cálculo é divulgado pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), no relatório da sinistralidade de 2019, que mostra uma redução do número de mortes, mas um aumento dos acidentes com vítimas e dos feridos, graves e ligeiros.
As contas são feitas tendo por base o custo material causado pelo acidente (a destruição de veículos ou despesas de saúde) e o custo imaterial (incluindo a riqueza que deixa de ser produzida por quem morre e a dor ou a tristeza. A metodologia seguida na União Europeia faz equivaler cada morte, em Portugal, a 2.541.032 euros; um ferido grave tem um custo de 385.934 e um ligeiro é uma perda de 29.815 euros. Multiplicando pelos número de mortes e feridos no ano passado, a ANSR chega a um valor de 3,713 mil milhões de euros, próximo dos 3,725 mil milhões estimados para a TAP, no pior cenário.
No documento final de 2019, a que o JN teve acesso, a ANSR nota que a redução forte da sinistralidade desde 1995 cortou em cerca de 72% o custo económico e social da sinistralidade (a preços de 2019).
Portugal não ganha terreno
Nas últimas décadas, Portugal baixou de forma significativa a sinistralidade, mas desde 2013 que não se fazem avanços significativos. No ano passado, nas estradas do continente, o saldo definitivo de mortes foi de 626 pessoas, menos 49 (menos 9%) do que no ano anterior. Mas os restantes indicadores agravaram-se: houve 35.704 acidentes com vítimas (mais 4%), 2.168 feridos graves (mais 9%) e 43.183 feridos leves (mais 4%).
Os dados de 2019 deixam antever que Portugal não deverá atingir as metas para 2020, a ponto de a ANSR considerar os números "inaceitáveis". "Não aceitamos mortes no ar nem na ferrovia e não devemos aceitá-las na estrada", lê-se no relatório.
Às 626 mortes do continente, somam-se as 21 dos Açores e 41 da Madeira (número anormalmente alto devido ao despiste de um autocarro, em que morreram 29 turistas). No total, no país, as estradas mataram 688 pessoas.
Os dados deixam Portugal bem acima da União Europeia. Por cá, houve 69 mortes por milhão de habitantes. A média comunitária é de 49. Aliás, em 2018, só a Polónia, Letónia, Croácia, Roménia e Bulgária tinham mais sinistralidade mortal. Desde 2010, todos estes países diminuíram o número de mortes. Também Portugal as baixou em 58% desde 2000. Mas como a União Europeia reduziu o indicador em 57%, Portugal não está a ganhar terreno.
22 pontos negros recorrentes
As colisões (253) e os despistes (245) continuam a ser as duas principais causas de morte na estrada; os atropelamentos mataram 128 pessoas e, em onze casos, os condutores fugiram. Por veículo, os carros continuam a ter o maior peso nas mortes (184), mas são também o veículo que mais circula. Já os motociclos envolveram a morte de 110 pessoas.
Quanto a regiões do país, as Áreas Metropolitanas do Porto e de Lisboa são as mais perigosas, quando se faz a conta ao número de veículos na estrada e aos quilómetros percorridos. No Porto, destacam-se a A43 e a A44; à volta da capital, o Eixo Norte-Sul ou as radiais da Pontinha, de Sintra e de Odivelas. "Pelas velocidades permitidas, em conjugação com os volumes de tráfego elevados, induzem a ocorrência de acidentes rodoviários", justifica a ANSR.
Há, ainda, 22 "pontos negros" recorrentes, ou seja, partilham pelo menos uma parte do traçado com os pontos negros identificados nos quatro anos anteriores. No total, a lista tem 59 locais e alguns são repetentes desde 2015. É o caso do acesso à Ponte 25 de Abril e do IC17, ambos em Lisboa.
Principais infrações
Conduzir com mais do que 1,2 gramas de álcool por litro de sangue (quase 17 mil pessoas) ou sem carta (quase dez mil) são, de longe, os dois crimes rodoviários mais comuns:_95%. Mas também foram detidas pessoas por homicídio por negligência (322), ofensa à integridade física por negligência (561) ou condução perigosa (463). No global, contudo, o crime rodoviário está a diminuir. Já as infrações rodoviárias detetadas cresceram 18%.
Sendo a fiscalização feita sobretudo por radares, é natural que o excesso de velocidade seja a principal infração (47% do total). Em muito menor número surge a falta de inspeção obrigatória ou de seguro, o uso de telemóvel e o excesso de álcool (até 1,2 gramas de álcool por litro de sangue).
Detalhes
Maior causa de morte
Mais de metade das mortes é causada por um atropelamento, colisão frontal ou despiste. Quanto aos feridos graves, além destas três causas, destaca-se a colisão lateral com outro veículo.
"Em plena" estrada
É "em plena faixa de rodagem" que mais peões morreram (32%). Na proximidade de uma passadeira (menos de 50 metros) morreram 20% e 16% perderam a vida enquanto atravessavam uma via na passadeira. No ano passado os atropelamentos mataram 128 pessoas, menos do que as 151 do ano anterior. Mas causaram mais feridos com gravidade e leves.
Fim de semana mais grave
Há mais acidentes nos dias úteis, mas os mais severos (com mortos e feridos graves) são ao sábado e domingo.
Janeiro é pior mês
O primeiro mês do ano foi o pior, quando se ponderam os acidentes com a quantidade de carros a circular. Em número absoluto, porém, agosto é o de maior sinistralidade.
Sem pontos na carta
A carta por pontos está a impedir prevaricadores sistemáticos de conduzir: 2.387 pessoas ficaram com zero pontos. Dessas, 930 tiveram a carta cassada; 890 têm o processo instruído e estão em fase de audição ou notificação; e 567 ainda estão em instrução.
Radares asseguram fiscalização
Foram fiscalizados 89,6 milhões de veículos, quase todos por radar (97%). As forças de segurança só monitorizaram 3% . Na conta da ANSR, em média, cada veículo foi fiscalizado onze vezes.
Carros cada vez mais velhos
O parque automóvel está a envelhecer. Entre 2001 e 2019, a idade média dos carros quase duplicou, de 7,4 anos para 12,7 anos; os pesados somam 14,6 anos (mercadorias) e 14,8 (passageiros). E 64% dos veículos tinham mais de dez anos. Em consequência, os veículos também estão a ser mandados para abate mais tarde: em 2018, tinham em média 21,6 anos.