Após décadas a construir à beira-mar, é preciso investir forte para salvaguardar pessoas e bens, já que a erosão costeira está a forçar o recuo da linha de costa. Calcula-se que o país já tenha perdido cerca de 13,1 quilómetros quadrados. Em alguns locais já se começou a relocalizar populações e a demolir edificações.
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A subida do nível do mar devido às alterações climáticas e a erosão costeira, que levam a recuos da linha de costa em Portugal continental, estão a obrigar a grandes investimentos para manter a salvo as zonas urbanas que, durante décadas e ao arrepio dos riscos anunciados, foram sendo edificadas à beira mar.
É um "risco real e vai ser agravado no futuro", alerta Óscar Ferreira, investigador da Universidade do Algarve, sublinhado que, ao longo de décadas, foi aumentando a ocupação na orla "em quantidade e tipologia" - com vários prédios e hotéis a ocupar espaços onde antes havia apenas moradias ou espaços naturais.
Alterações climáticas
Enquanto isso, foi-se agravando a falta de areia nas praias (barragens e outras ações nos rios fazem com que os sedimentos não sigam para as praias), o que se nota, por exemplo, a sul do rio Douro e do Tejo e de infraestruturas portuárias como a de Aveiro e da Figueira da Foz. Também há questões pontuais, como tempestades, que fazem recuar igualmente a linha e provocam inundações, como já sucedeu no Furadouro (Ovar) e Costa da Caparica (Almada). Tudo isto ganha ainda maior expressão devido às alterações climáticas e é "particularmente preocupante em zonas povoadas", alerta Óscar Ferreira.
Nas últimas décadas, tem-se registado um recuou médio anual da linha de costa entre 0,5 e 9 metros e estima-se que o país já tenha perdido cerca de 13,1 quilómetros quadrados, apesar das obras de defesa e realimentação.
Atualmente, entre as áreas mais vulneráveis identificadas em Portugal continental, contam-se as praias nos municípios de Esposende, Espinho/Ovar, Ílhavo/Vagos, a sul da Figueira da Foz, na Costa da Caparica (Almada) e Quarteira/Faro.
No litoral, ao longo dos últimos 15 anos, foram investidos cerca de 350 milhões de euros em obras de proteção e estabilização. Até 2028, as autoridades têm apontados investimentos no valor de pelo menos mais 45 a 60 milhões.
"A partir dos anos 80 já era expectável este risco, mas aumentou-se de forma incrível a ocupação
Nos últimos anos não se tem assistido a novas construções, até porque os instrumentos de ordenamento do território já não permitem. Mas durante anos ignoraram-se riscos. "A partir dos anos 80 já era expectável este risco, mas aumentou-se de forma incrível a ocupação", diz Carlos Coelho, investigador da Universidade de Aveiro e presidente da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos, explicando que, para proteger estas zonas agora povoadas, tem sido necessário proceder a realimentação artificial, construção de enrocamentos, esporões, quebra mares, entre outras obras de defesa que custam milhões.
A aposta tem sido na defesa e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) prevê continuar a investir. Mas, ainda assim, em alguns pontos do país, já foi preciso demolir construções e deslocalizar pessoas.
Em Esposende, por exemplo, uma intervenção em 2015 na zona de S. Bartolomeu do Mar, levou à remoção de 27 edificações e construção da defesa aderente. Atualmente, a zona "mais dramática", conta o presidente da Câmara, Benjamim Pereira, é a de Cedovém, Apúlia. O Programa da Orla Costeira aponta a necessidade de demolir "cerca de 300 edificações num aglomerado urbano de génese ilegal". Serão realojadas sete famílias que tinham habitação permanente. Oito restaurantes serão relocalizados. O investimento rondará os "12 a 15 milhões de euros", estima o autarca.
Já as Torres de Ofir deverão permanecer. "Não deviam ter sido construídas, mas foram, nos anos de 1970", refere o autarca, explicando que, por estarem licenciadas, os "proprietários das cerca de 200 frações têm direitos". Só em indemnizações e trabalhos de demolição, a retirada custaria "uns 45 milhões de euros". Seria um "mau investimento para o país", considera Benjamim Pereira, referindo que investir aquele valor na defesa permitirá "salvaguardar" a zona durante "umas décadas".
Autarcas pedem mais investimento
Em Ovar, o mar já "levou" mais de 40 metros de areal nos últimos anos, situação que deixa o presidente da Câmara, Salvador Malheiro, "apreensivo".
Em Esmoriz, município de Ovar, a situação está para já estabilizada, mas, há alguns anos, a Câmara teve de avançar, a expensas próprias, com a transferência de 30 famílias (cerca de 100 pessoas), "que moravam na primeira linha" da costa e estavam em perigo. As pessoas estão agora num bairro novo e as antigas construções foram demolidas, um esforço financeiro de "dois milhões de euros"
Tendo este valor como base, Salvador Malheiro estima que retirar as cerca de 5000 pessoas do Furadouro, outra zona frágil da costa vareira, rondaria "100 milhões de euros".
Ou fazemos isto ou a curto, médio prazo temos de deslocalizar as pessoas e deixar de ter as praias
Ainda em Ovar, mas em S. Pedro de Maceda, há outra preocupação: um antigo aterro sanitário dista apenas umas centenas de metros do mar. Na praia de Cortegaça, é a salvaguarda do parque de campismo que dá dores de cabeça ao edil vareiro.
"Tendo em conta a importância da costa em Ovar, defendemos a aplicação de soluções de engenharia pesada que permitam pelo menos manter a linha de costa", diz Salvador Malheiro, apontando para a necessidade de se construírem quebra mares destacados e se proceder à transposição de sedimentos. "Ou fazemos isto ou a curto, médio prazo temos de deslocalizar as pessoas e deixar de ter as praias", que atraem turistas e geram riqueza, porque há muitos hotéis e estabelecimentos de restauração que "criam emprego e pagam impostos".
Salvador Malheiro lamenta a "inércia dos últimos anos" por parte das autoridades e estranha que no Plano de Recuperação e Resiliência, "não esteja contemplado um único cêntimo para combater a erosão costeira".
Avaliar relação custo/benefício
O avanço do mar também é motivo de preocupações para o presidente da junta de freguesia da Costa da Caparica, José Ricardo Martins. Preenchimentos artificiais têm atenuado o problema e permitido "proteger os bens das pessoas", mas "é pouco", diz o autarca, que defende que é preciso "continuar a preservar" a zona.
Mas quanto vai o mar avançar? Onde devemos proteger? Qual a melhor maneira? Onde recuar? Quanto custará cada opção?
É à procura de respostas para estas questões que se tem dedicado Carlos Coelho. Através do projeto Coast4us, tenta projetar comportamentos futuros e perceber o valor do território, para ajudar à tomada de decisão e ver qual o melhor custo/benefício das diferentes soluções. Está a traçar diversos cenários para algumas zonas vulneráveis, nomeadamente os troços entre Barra (Ílhavo)/Vagueira (Vagos), Figueira da Foz/Leirosa e Costa da Caparica.