Entre 3 e 17 de maio, os infetados mantiveram contactos sociais e físicos, que contribuíram para a disseminação da doença.
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A varíola dos macacos não foi identificada de imediato e, em grupos online, entre médicos de vários países, as dúvidas sobre a doença eram comuns e não tiveram resposta durante vários dias. "Entre 3 e 17 de maio, foram acumuladas amostras que só posteriormente foram confirmadas pelo Instituto Ricardo Jorge", admitiu ao JN Margarida Tavares, diretora do Programa de Saúde Prioritário para a Área das Infeções Sexualmente Transmissíveis e Infeção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana. O aumento do número de infeções pelo vírus Monkeypox está, contudo, "dentro do esperado", tendo em conta os 21 dias de incubação da doença. A Direção-Geral da Saúde confirmou ontem mais cinco casos de infeção por vírus Monkeypox em Portugal, havendo agora um total de 143 casos, a maioria em Lisboa e Vale do Tejo.
Durante esse tempo (3 a 17 de maio), sem saber que doença tinham nem que era contagiosa, as pessoas infetadas tiveram contactos sociais e físicos, podendo ter transmitido a doença. "Como o período de incubação é até 21 dias, estamos ainda na fase de aparecimento de novos casos, fruto de contactos ocorridos no mês de maio", salientou a médica, que também é coordenadora da Unidade de Doenças Infeciosas Emergentes no Centro Hospitalar Universitário de São João. Para além da vacina que chegará "em breve", a prevenção da doença passa pelo "isolamento".
A primeira confirmação da doença em Portugal aconteceu a 17 de maio e o Instituto Ricardo Jorge foi uma das primeiras entidades europeias a confirmarem a identidade do vírus.
Os primeiros 20 casos da doença em Portugal foram identificados em Lisboa e Vale do Tejo, em duas clínicas do GAT (Grupo de Ativistas em Tratamentos). Os médicos verificaram que, sobretudo nos órgãos sexuais, existiam feridas e erupções cutâneas de grandes dimensões e com formato e cor fora do normal. As primeiras amostras a ser analisadas em laboratório foram colhidas nestas clínicas.
Afeta "qualquer pessoa"
"O vírus ataca indiscriminadamente homens e mulheres, mas, em Portugal, os primeiros doentes foram homens homossexuais", disse Luís Mendão, do grupo de ativistas. "É um facto. Não há aqui nenhum tipo de discriminação. Os primeiros casos ocorreram em homens que se identificaram como homens que têm sexo com outros homens", afirmou Margarida Tavares, recusando, contudo, que se associe a doença a uma "prática sexual". "É injusto e incorreto", refere. Também Margarida Saraiva afirma que é uma doença que pode afetar "qualquer pessoa". "O contágio é feito por contacto" e os sintomas iniciam-se com febre, cefaleia, astenia, mialgia ou adenomegalias, aos quais se segue o aparecimento do exantema (erupção cutânea).
O aparecimento repentino do VMPX, em vários países ao mesmo tempo, sugere que a Monkeypox já estava fora da África Central e Ocidental (onde foi identificada pela primeira vez) há algum tempo sem que tenha sido detetada. "O vírus pode ter sofrido adaptações e ter passado a ser mais transmissível e até a ser transmissível de outras formas", disse Margarida Saraiva, infeciologista no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde. Com a pandemia e o confinamento, "com a redução da vida social, o vírus passou despercebido e agora, com o regresso à normalidade, ele começou a circular e passar de pessoa para pessoa", explicou.
Entre os cenários que estão a ser estudados sobre o surgimento do atual surto, consta a possibilidade de a imunidade de grupo que foi alcançada no início da década de 1980, quando a varíola foi erradicada, ter diminuído.
"O que é preocupante é que afeta um grande número de países ao mesmo tempo, embora, em termos de população, não seja um problema", clarifica Margarida Tavares.
Vacina em breve, mas só para contactos diretos
Sem data para ser ministrada, a compra da vacina para o vírus Monkeypox, de acordo com a diretora do Programa de Saúde Prioritário na Área das Infeções Sexualmente Transmissíveis e do VIH, está a ser negociada de forma centralizada entre a farmacêutica que a produz e vários países europeus. O objetivo é o de garantir que todos os países tenham acesso à vacina a preços considerados justos. "A vacina existe, está disponível e vai chegar a Portugal em breve", afirmou Margarida Tavares. Pertencente à terceira geração da vacina da varíola, os médicos e virologistas não têm dúvidas sobre a eficácia do fármaco. Ao que tudo indica, apenas serão inoculados os contactos diretos de casos positivos.
"Discurso de ódio" contra homossexuais aumenta
Associação entre a homossexualidade e a doença gera insultos
"Tem havido um aumento do discurso de ódio contra os homens homossexuais porque, no início do surto, fez-se uma associação entre a doença e a homossexualidade", disse ao JN Ana Aresta, presidente da Associação ILGA Portugal. Desde que se começou a falar na Monkeypox, sobretudo nas redes sociais e nos sites de associações e grupos relacionados com homossexualidade, os "insultos" e "provocações" aumentaram.
"Portugal continua no topo dos países da Europa onde são mais bem garantidos os direitos humanos, mas, neste caso, demos vários passos atrás", refere ainda Ana Aresta. "Este é mais um tópico tonto para continuar a discriminar", acrescenta Luís Mendão, do GAT. "Toda a gente informada sabe que o vírus pode chegar a qualquer pessoa, mas como existem homossexuais infetados, claro que houve pessoas a atacar os gays", salienta, criticando quem continua a "fazer passar a ideia errada de que esta é uma infeção de gays".
"Em Portugal, os primeiros casos aconteceram em homens gays, mas foi uma casualidade porque a transmissão faz-se por fluidos corporais e acontece com mulheres e homens, independentemente da sua vida sexual", frisou Mendão.
O estigma LGBT
Ana Aresta não tem dúvidas de que há interesse em "manter o estigma LGBT". "Há décadas que lutamos contra este estigma e estamos a ter sucesso. Contudo, de tempos a tempos, surge alguma coisa para voltar a colocar o tema na ordem do dia, pelos piores motivos", frisou. A Associação ILGA Portugal é a mais antiga associação de defesa dos direitos humanos e das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexo.