Número de ocorrências aumentou 52,8% entre os dez e os 19 anos. Psicólogos chamados por crises de ansiedade, agressões e tentativas de suicídio.
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No ano passado, o INEM reencaminhou para o Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) 20.614 chamadas, das quais 8920 motivaram a intervenção de psicólogos, o que dá uma média de cerca de 25 por dia. Apesar da ligeira diminuição face a 2021 (quando houve 22.142 reencaminhamentos), esta redução não tranquiliza os responsáveis, pois a gravidade dos casos tem piorado, especialmente entre os mais jovens, alerta a responsável pelo CAPIC, Sónia Cunha. Embora não sejam em maior número, é nos mais jovens que os pedidos de ajuda mais têm aumentado: um acréscimo de 52,8% entre os dez e os 19 anos, revela, citando dados até abril, os últimos disponíveis por faixa etária.
Em 2022, as equipas das unidades móveis de intervenção psicológica de emergência, acionadas pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU), saíram 1425 vezes para ocorrências, menos sete do que no ano anterior. Em 2020, os psicólogos foram para o terreno 808 vezes e 547 em 2019.
Mais do que os números é a sintomatologia e a idade dos doentes que preocupam Sónia Cunha. Suicídios e tentativas de suicídio estão a aumentar. As agressões também. Comportamentos suicidários, situações de violência contra os próprios e contra outros, depressões que se agravaram, crises de ansiedade, dificuldades em controlar as emoções são exemplos de comportamentos que motivam a intervenção das equipas. Só até abril, o CAPIC recebeu quase 600 chamadas por causa de emergências relacionadas com crianças e jovens com menos de 20 anos.
Menos acompanhados
A morte repentina de familiares em acidentes rodoviários surge como um dos principais motivos a espoletar crises. A pandemia, a guerra na Ucrânia e a crise económica por causa da inflação estão entre o conjunto de fatores que contribuem para agravar as situações de que o INEM já registava sinais antes do ano 2020.
O mais recente relatório da Organização Mundial de Saúde, "Health Behaviour in School Age Children", feito em 51 países, revelou que um em cada quatro adolescentes portugueses (24,5%), de 11, 13 e 15 anos, já se feriram de propósito, pelo menos uma vez. Quase 30% responderam que "se sentem infelizes".
Os presidentes das duas associações de diretores escolares também alertaram que, no primeiro período letivo, mais alunos pediram ajuda junto dos Serviços de Psicologia e Orientação das escolas. A vice-presidente da Ordem dos Psicólogos, Sofia Ramalho, estima que os pedidos tenham "praticamente triplicado" nos agrupamentos e serviços de saúde. "O que sentimos no terreno está em linha com os alertas e conclusões do relatório que vieram confirmar preocupações que já identificávamos antes da pandemia e que agravaram depois", explica.
A responsável pelo CAPIC aponta que, apesar de haver mais atenção com o bem-estar emocional, os jovens passam mais tempo sozinhos, com "menos suporte e acompanhamento" numa sociedade "cada vez mais competitiva". É fundamental não se desvalorizar os primeiros sinais, alterações de comportamento, de humor, sentidas em casa ou na escola, pede. Sónia Cunha não prevê uma diminuição das ocorrências em 2023, mas "uma manutenção ou retomar do crescimento ligeiro".
Pais ligam porque não conseguem controlar filhos
Até abril, o CAPIC recebeu oito chamadas por causa de situações de emergência com crianças até aos quatro anos e mais 17 casos entre os cinco e os nove anos.
No caso dos mais novos, explica Sónia Cunha, as chamadas para o INEM são feitas pelos pais "que não conseguem gerir ou controlar os comportamentos de oposição dos filhos", pedidos de ajuda que também têm aumentado. "Já não há quem não tenha na família ou no grupo de amigos casais inseguros que não conseguem dizer "não" aos filhos e isso é extremamente preocupante porque compromete o desenvolvimento das crianças", assume, referindo que, em muitas situações, recomenda cursos de competências parentais.
No caso dos adolescentes, há mais professores e funcionários a pedir ajuda para conseguirem responder a casos de descontrolo emocional, crises de ansiedade, condutas violentas ou destruição de equipamentos. "A escola é o único espaço de socialização. Cada vez mais os alunos vivem entregues a si próprios, devido aos horários de pais e avós. Já não se brinca na rua, é preocupante", reconhece Manuel Pereira. O presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares aponta outro sinal: o silêncio nas salas de alunos que, há uns anos, eram barulhentos. Agora, estão todos ao telemóvel, quase sem falarem uns com os outros. "Estamos a criar uma geração de autistas."
Reforço de meios
O CAPIC tem 24 psicólogos distribuídos pelas quatro delegações regionais. Só no Porto os oito profissionais conseguem assegurar o apoio do centro 24 horas por dia. Há um concurso aberto para seis vagas.
Falta de resposta
Melhorar a capacidade da rede "é um gigantesco desafio", frisa Sónia Cunha, que admite carências na resposta nos serviços, públicos e privados, na saúde mental.