Municípios rejeitam assinar autos de transferência de centros de saúde e pedem atualização dos valores e mais poder de decisão. Ministra diz que não há "fasquia temporal" para os acordos.
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Vários autarcas estão indisponíveis para aceitar a transferência de competências na área da Saúde, cujo prazo termina a 31 de março, mas que só se torna efetiva com a celebração de autos de transferência entre os municípios e a Administração Central. Presidentes de câmara ouvidos pelo JN recusam assinar o documento e pedem uma atualização dos valores, de forma a fazer face às despesas dos cuidados de saúde primários nos concelhos. E querem mais poder de decisão para, por exemplo, agilizar a contratação de médicos ou mudar horários.
A ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública disse esta terça-feira que não se justifica um adiamento na Educação. Já na Saúde, não há "nenhuma fasquia temporal" para a celebração dos acordos.
A governante admitiu "pequenos poderes na máquina da administração central" , que nem sempre ajudam o poder político. "Não tenham dúvidas de que este é um Governo descentralizador, ao contrário do que já se disse. Há um poder político descentralizador", acrescentou na cerimónia de assinatura de protocolo para a abertura de 84 novos espaços cidadão nos concelhos da Comunidade Intermunicipal da região de Coimbra.
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"Não podemos aceitar competências que são altamente lesivas dos orçamentos dos nossos municípios porque, para ter mais dinheiro para canalizar para estas competências, vou ter que o tirar de algum lado e isso é inaceitável", diz Hélder Sousa Silva, autarca de Mafra e presidente da Associação Nacional dos Autarcas Social-Democratas. Filipe Daniel, presidente da Câmara de Óbidos, defende que o "orçamento dos municípios não estica". Muitos dizem que os valores a transferir não estão atualizados ou são insuficientes.
Também o prazo para a transferência de competências na área da Educação termina no final do mês. Mas, ao contrário da Saúde, o processo parece reunir mais consenso, tirando algumas exceções. Os autarcas de Lisboa e Porto pediram numa carta ao primeiro-ministro para prorrogar o prazo de entrega das competências no processo de descentralização. Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, admitiu interpor uma providência cautelar. Carlos Moedas, autarca de Lisboa, disse esta terça-feira esperar pelo novo Governo para discutir os montantes.
Exercer com dignidade
Ricardo Rio, presidente da Câmara de Braga, também não aceita as competências na área da Saúde enquanto os valores que o Estado tem de transferir para os municípios não forem revistos. "No caso da Educação, o processo foi pacífico. Fizemos trabalho de preparação e estamos com condições responsáveis de poder corresponder", aponta.
Basílio Horta, autarca eleito pelo PS para Sintra, junta-se ao coro de críticas. "Não podemos assinar um acordo em que os custos das tarefas que nos querem transferir estão calculadas em 2018. Não podemos aceitar competências que sabemos que não vamos poder exercer com dignidade", refere. Já Fernando Ruas, presidente da Câmara de Viseu, diz que a "Saúde é uma área sensível que não pode ser transferida sem uma discussão ampla e uma aceitação total".
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A Associação Nacional dos Municípios Portugueses (ANMP) reuniu este mês com as ministras Alexandra Leitão e Marta Temido, que se comprometeram à revisão dos valores. O JN tentou ouvir a presidente da ANMP, Luísa Salgueiro, sobre as críticas dos autarcas, mas esta não se mostrou disponível para comentar.
O presidente da Câmara de Paredes de Coura, Vítor Paulo Pereira, salienta ser necessário "uma partilha de poder". "Podemos contratar os funcionários, cuidar do telhado, podar as árvores mas, se na altura do festival [de música] quiser alterar o funcionamento do centro de saúde, nem que seja de forma extraordinária, não tenho essa capacidade".
Manuel Cordeiro, autarca de São João da Pesqueira, diz continuar a haver "centralização de responsabilidades", com as autarquias a serem responsáveis só por pagarem a conta da luz ou o salário dos funcionários. Já Vítor Costa, autarca de Vila do Conde, aguarda "com serenidade" mais dados para poder decidir se aceita ou não as competências na Saúde.
Auto é obrigatório
A lei diz que a descentralização na Saúde só "é formalizada através de auto de transferência" a assinar entre Governo, Câmaras e ARS. Nos concelhos onde está a ser recusada, o Governo e as ARS vão continuar a gerir em abril.
Ação Social adiada
A transferência de competências na área da Ação Social também tinha como limite o dia 1 de abril, mas foi adiada para 1 de janeiro de 2023. Neste caso, sem necessidade de auto.
Fenprof saúda críticas
A Fenprof saudou, esta terça-feira, o "aumento da contestação" dos municípios à descentralização na Educação e acusou o Governo de querer "ver-se livre dos problemas que estão por resolver" naquela área.