Os diretores escolares acreditam que o encerramento das escolas durante os períodos mais críticos da pandemia trouxe "consequências arrasadoras" para as aprendizagens estruturantes. Dizem, ainda, que os "professores identificam a falta de aprendizagens estruturantes" em alguns alunos, sendo "os problemas mais sentidos nos contextos socioeconómicos mais desfavorecidos". Há estudantes mais "desmotivados, desinteressados e pouco empenhados".
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Estas revelações foram feitas, esta terça-feira, pela Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (ANDAEP) e pela Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE) aos deputados do grupo de acompanhamento do Plano de Recuperação das Aprendizagens. Ambas as associações acreditam que é necessário prolongar o plano, que se iniciou em 2021. A ANDAEP pede, pelo menos, que seja estendido por mais um ano.
"É agora que se começa verdadeiramente a sentir os impactos dos confinamentos e da pandemia. Por outro lado, a transição facilitada dos alunos durante os dois anos dos confinamentos começa, agora, a revelar as implicações. Os professores identificam a falta de aprendizagens estruturantes. Estamos a falar de aprendizagens que impedem a progressão de outras aprendizagens nos anos e nos ciclos seguintes", referiu David Sousa, vice-presidente da ANDAEP, avançando que "os problemas são mais sentidos nos alunos de contextos socioeconómicos e sociais mais desfavorecidos".
"São alunos que não têm famílias com formação académica para poderem apoiar e que não têm, muitas vezes, condições socioeconómicas para ter aquilo que se designa por explicações. Não ter tido aulas fez com que as consequências nessas aprendizagens estruturantes fossem arrasadoras", detalhou David Sousa.
Também o presidente da ANDE afirmou que "a pandemia alterou substancialmente as escolas e a forma de estar dos alunos". Em termos de aprendizagem, referiu Manuel António Pereira, "houve competências e conhecimentos que queríamos transmitir e não houve oportunidade de os alunos aprenderem ou nós ensinarmos", nomeadamente devido ao facto de "os alunos estarem em casa e não haver forma de contactar com eles" em algumas zonas do país, por não terem computador.
No entanto, destacou Manuel António Pereira, "também houve competências desenvolvidas" na pandemia e, por isso, não encara o período "como uma grande tragédia". Não obstante, nota o diretor, os "alunos estão desmotivados, desinteressados e pouco empenhados".
"Estão muito focados nos telemóveis e nas novas tecnologias. Para isto, qualquer dia, é preciso um plano para tentarmos ganhar os alunos com urgência. O trabalho dos professores nas escolas não está fácil", frisou Manuel António Pereira.
Ambas as associações consideraram que o plano foi "uma boa iniciativa" e acreditam na necessidade de ser prolongado. Jorge Saleiro, da ANDE, nota que o "Plano de Recuperação das Aprendizagens tem a ver com a pandemia, mas é adensado pelo contexto" atual de "guerra com uma crise colateral grave" e de "luta dos professores que reivindicam direitos perdidos".
Necessidade de prolongar plano
"A manutenção deste plano justifica-se pelas questões da pandemia e pelo efeito que, provavelmente, não estará totalmente diagnosticado nas consequências da saúde mental e do rendimento escolar dos alunos. Achamos relevante, de facto, continuar com o Plano de Recuperação das Aprendizagens", referiu Jorge Saleiro.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP, concorda. E pede, pelo menos, o prolongamento do programa por mais um ano letivo. "O primeiro ano de aplicação do plano teve dois grandes condicionalismos: até fevereiro do ano passado, as escolas estiveram a gerir o covid e alguns alunos não tiveram professores em algumas disciplinas. O ano letivo 2022/2023 é o primeiro ano, por inteiro, de aplicação do plano. Estou convencido que, na esmagadora maioria dos casos, as escolas concordarão que o prazo [do plano] deverá ser estendido", referiu.
A carreira docente e as greves dos professores não foram esquecidas pelos diretores. Aos deputados, os dirigentes escolares alertaram para a necessidade de "dignificar a carreira docente", de alterar a "injusta avaliação dos professores" e de contabilizar o tempo de serviço que permanece congelado. Mencionaram, ainda, a "escassez de professores".
"Saímos de uma pandemia e temo que possamos entrar noutra: a pandemia de escassez de professores. Isto pode ser um drama para a Educação", disse Filinto Lima, alertando para a necessidade de reforço dos professores de educação especial nas escolas e considerando que "as atuais greves de professores não prejudicaram os alunos no processo ensino-aprendizagem".
"Nas escolas públicas portuguesas, fazem-se verdadeiros milagres diariamente. Cozinham-se omeletes saborosas com poucos ovos, mas com profissionais de excelência", rematou Filinto Lima.