Operação pioneira no S. João, no Porto, foi há 20 anos. Hoje, pacientes já recebem anestesia geral.
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Jesualdo Castro recorda-se de tudo. Desde o momento em que entrou para a sala de operações até ao contentamento da equipa médica pelo sucesso da cirurgia. Diagnosticado com Parkinson, Jesualdo Castro foi o primeiro utente a ser operado em Portugal. Já lá vão duas décadas. A cirurgia pioneira foi realizada pelo Hospital de São João, no Porto. Desde então, nos últimos 20 anos, "muito mudou". Houve "uma evolução tecnológica grande" que permitiu "melhorar a capacidade técnica" e, graças à evidência científica, os doentes já podem estar sob o efeito da anestesia geral, enquanto são operados. Até há um ano, os utentes permaneciam acordados.
Jesualdo Castro, agora com 67 anos, esteve 16 horas na sala de operações. Sempre acordado. Entrou às 8 horas, saiu à meia-noite. A cirurgia foi encarada como uma esperança. Mas Jesualdo Castro não esconde, ao JN, ter sentido receio de que algo corresse mal. Tanto que chegou a perguntar ao médico quais as probabilidades de ter um derrame cerebral. A resposta confortou-o: o risco rondava 1%. "Jesualdo estava a ter dificuldades para comer e para apertar qualquer coisa. Apesar da cirurgia ser uma novidade, não havia nada a que nos pudéssemos agarrar", recorda Gracinda Freitas, a esposa de Jesualdo Castro.
42 novos doentes
Rui Vaz, diretor do serviço de Neurocirurgia do Hospital de S. João, participou na operação. "Há 20 anos, quando os nossos doentes não controlavam a doença com a medicação e tinham possibilidades económicas, iam ao estrangeiro fazer a cirurgia. Os outros ficavam e não tinham alternativa. Isso incomodou-me imenso: não sermos capazes de dar a mesma qualidade de resposta de outros países", conta o neurocirurgião.
Com um universo estimado de "20 a 25 mil doentes", em Portugal, fazem-se cerca de 100 cirurgias por ano. O S. João opera cerca de 42 novos doentes anualmente. Os riscos, garante Rui Vaz, são baixos. A taxa de complicações sérias é inferior a 1,5% e a de mortalidade está abaixo de 0,5%.
No caso de Jesualdo Castro, a doença começou a manifestar-se através da perda de sensibilidade no braço direito. Seguiu-se o tremor. Tinha 39 anos. Já Fernando Azevedo teve sintomas diferentes. Foi um mal-estar durante uma viagem de Lisboa a Oliveira de Azeméis, onde vive, que o deixou alarmado. "Pensei que ia ter um AVC. Nunca pensei que fosse Parkinson", lembra.
Os sintomas foram piorando e Fernando Azevedo, agora com 72 anos, foi operado. Já lá vão seis anos. A intervenção devolveu-lhe a qualidade de vida.
Risco da cirurgia "é relativamente baixo"
Há 20 anos, o Dr. Rui Vaz participou na primeira cirurgia à Parkinson do país. Havia receios por parte da equipa médica?
Muito. Na primeira cirurgia, acho que todos nós tivemos medo porque era, realmente, uma coisa em que não tínhamos experiência. Íamos dar um passo importante e se algo corresse mal não nos sentiríamos confortáveis com esse facto, independentemente de toda a gente saber que não existem cirurgias sem risco. Mas esta era uma cirurgia que estava a começar e isso tornava as coisas mais complicadas.
Em que consiste a operação?
A doença decorre de um circuito cerebral que funciona mal. Nós colocamos um elétrodo nesse circuito e, ao fazermos uma estimulação elétrica de baixa densidade, conseguimos influenciar esse circuito, corrigindo os sintomas motores. Mas não curamos a doença. Os resultados da cirurgia, a 15 anos, são melhores do que o melhor tratamento médico.
Os doentes aceitam a cirurgia ou ainda há receio?
No país, há uma sub-referenciação e um dos motivos é o receio dos doentes. Pensar numa cirurgia à cabeça para tratar a doença de Parkinson afasta alguns doentes que não querem. E há uma perceção exagerada desta cirurgia como cirurgia de alto risco. Não é verdade. Está mais do que demonstrado que o risco desta cirurgia é relativamente baixo.