Joaquim Ferreira, neurologista e diretor clínico do CNS - Campus Neurológico, estima que daqui a 30 anos, Portugal poderá ter o dobro de pessoas com Parkinson, doença neurológica degenerativa, de evolução crónica e lenta, que afeta o controlo dos movimentos. Ao JN, o médico defende que a pandemia terá atrasado a referenciação de doentes para tratamentos e os diagnósticos.
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O último estudo epidemiológico realizado pela equipa de Joaquim Ferreira estimava a existência de cerca de 20 mil doentes com Parkinson em Portugal. Os idosos continuam a ser a faixa etária mais afetada pela doença. Mas não só: cerca de 10% dos doentes têm menos de 50 anos, o chamado Parkinson precoce. Os números globais devem agravar nas próximas décadas, de acordo com o diretor clínico do CNS - Campus Neurológico. Hoje assinala-se o Dia Mundial do Parkinson.
"O que nós sabemos é que nos próximos anos o número de doentes vai aumentar significativamente. As estimativas para os próximos 30 anos sugerem que o número irá duplicar", avança ao JN. As pessoas com Parkinson chegarão também a fases mais avançadas da doença.
A explicação mais óbvia é a do envelhecimento da população. No caso de Portugal, diz o clínico, "23% das pessoas vão ter mais de 85 anos" daqui a três décadas. "Sabendo que a idade é o principal fator de risco para a doença, teremos mais doentes", diz Joaquim Ferreira. Depois, há a exposição a tóxicos, como pesticidas, tido como outro dos fatores de risco.
O Parkinson não tem uma causa específica: apenas entre 5% e 10% dos casos se deve a uma alteração genética. "Nos outros 90%, não sabemos", refere.
A pandemia da covid-19 veio acrescentar novos constrangimentos à prestação dos cuidados de saúde, a que os doentes de Parkinson não ficaram alheios. "A impressão global de todos os médicos é que houve um agravamento do estado de saúde", aponta.
Dois anos em lista de espera
As razões são várias: o acesso limitado a consultas de Medicina Geral ou de Neurologia, a suspensão da atividade física e dos tratamentos de reabilitação e o agravamento dos estados anímicos, como os casos de ansiedade e de sintomas depressivos, decorrentes dos períodos de confinamento.
Os tratamentos invasivos, como as cirurgias, ainda não foram retomados totalmente. Joaquim Ferreira aponta que há doentes em listas de espera com mais de dois anos em alguns hospitais. "É muito tempo para uma doença com estas características", defende o neurologista.
O mesmo aconteceu com os diagnósticos: "Sem doentes a ser observados presencialmente, eu não tenho nenhuma dúvida, tal como está a acontecer em outras áreas, em que há doentes em que o diagnóstico está mais atrasado do que anteriormente".
Tendo em conta a evolução do número de doentes, Joaquim Ferreira defende uma "abordagem terapêutica multidisciplinar", não farmacológica, que junte vários profissionais de saúde, como fisioterapeutas, nutricionistas, terapeutas ocupacionais e da fala, enfermeiros e psicólogos.
Do lado dos tratamentos invasivos - há três -, o médico considera que os doentes poderiam "beneficiar mais" de outras terapias, nomeadamente a da injeção de levodopa no intestino delgado e de apomorfina na pele. Porém, o acesso aos fármacos é "limitado", devido aos poucos recursos humanos nos hospitais. "O acompanhamento dos doentes que fazem estes tratamentos é mais exigente", conclui.