Associação Young Parkies quer melhorar acompanhamento no pós-diagnóstico e facilitar o trabalho em rede. 10% com sintomas antes dos 50.
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"Chorei à beira-mar, vim para casa e passou-me. Teve de ser". É assim que Pedro Ferreira, hoje com 43 anos, recorda o dia em foi diagnosticado com Parkinson, a doença neurológica degenerativa, de evolução lenta e crónica, que afeta o controlo dos movimentos. Tinha 34 anos. É um dos cerca de 130 membros da associação "Young Parkies", criada em 2021 para melhorar o acompanhamento dos doentes com diagnóstico precoce e facilitar o trabalho em rede, com clínicos, investigadores e cuidadores. Hoje celebra-se o Dia Mundial do Parkinson.
Os primeiros sinais de que algo não estava bem apareceram durante a prática de desporto: os dedos ficavam em garra quando corria. Depois tinha dificuldades em escrever. Foi a um podologista e não ficou satisfeito. Seguiu-se a consulta de ortopedia, onde foi aconselhado a falar com um neurologista. "O processo de diagnóstico foi muito rápido", recorda ao JN. "Estima-se que haja cerca 20 mil doentes com Parkinson em Portugal", diz Joaquim Ferreira, neurologista e diretor clínico do CNS - Campus Neurológico. 10% são diagnosticados antes dos 50 anos.
"A ideia de que a doença de Parkinson só afeta as pessoas mais velhas, não é verdade. Há doentes diagnosticados antes dos 40 ou mesmo antes dos 20 anos", explica o clínico ao JN. A doença diagnosticada em idade precoce tem características próprias: a causa genética é mais frequente, progride mais lentamente e dá menos alterações cognitivas.
"Por outro lado, os movimentos involuntários, a que chamamos de discinesias [os tremores associados ao Parkinson], são mais frequentes e também os momentos em que os doentes estão 'on' e 'off', ou seja, bem e mal. Exatamente como ligado e desligado", afirma o neurologista. Em idades mais jovens, o período temporal de acompanhamento médico torna-se "muito maior". "Queremos que as pessoas estejam bem durante 20, 30 e 40 anos".
O primeiro impulso de Carmo Teixeira Bastos, quando começou a ter dificuldades na motricidade fina, como lavar os dentes, apertar os cordões das sapatilhas ou a escrever com a letra muito pequena, foi também o de consultar um ortopedista. Feitos os exames de despiste, a bancária de 47 anos foi encaminhada para um clínico de doenças do movimento. Depois, "foi tudo muito rápido". Foi diagnosticada com Parkinson aos 44 anos.
Diferentes dos mais velhos
Apesar de ser filha de médicos e de conhecer um caso de uma pessoa com Parkinson, o conhecimento era "abstrato", como a própria refere, sobretudo numa idade considerada precoce. Carmo Bastos criou com mais dois doentes, a que se juntaram investigadores, médicos e cuidadores, a associação "Young Parkies". "Sentia falta de uma organização em Portugal a quem recorrer ou apenas para consultar mais informação", diz. Até porque nos primeiros dias, após o diagnóstico, ninguém "processa bem" o que lhe é dito num consultório médico.
Para que os doentes e os familiares não caiam no erro de fazer pesquisas sobre a doença na Internet, nem que seja para conhecer os mais recentes desenvolvimentos científicos, a "Young Parkies" tem como missão acabar com as barreiras entre os diferentes atores. "Temos mais acesso aos investigadores [fazem parte da associação] e eles poderão conhecer melhor as expectativas dos doentes. Somos completamente diferentes das pessoas com 70 anos", esclarece a fundadora.
Fora da associação, há uma noção clara de que poucos sabem o que é Parkinson precoce. Pedro e Carmo confessam que, até ao momento do diagnóstico, conheciam apenas os exemplos mais mediáticos, como o do ator norte-americano Michael J. Fox, diagnosticado aos 29 anos. "Há pessoas que lidam comigo todos os dias e não sabem que tenho a doença", aponta Pedro Ferreira, que confessa que fala abertamente sobre o tema, mas não o usa como bandeira.
Após o diagnóstico, a vida mudou, ainda que nas pequenas coisas. Carmo, agora presidente da "Young Parkies", pratica desporto "de forma mais responsável". "Saber ouvir o corpo" tornou-se um lema. Pedro fez a cirurgia de estimulação cerebral profunda, reformou-se por invalidez e passou a dedicar-se mais à escrita e aos trabalhos como DJ. "Dantes, não dava valor ao tempo que demorava a fazer as coisas. Talvez agora dê mais valor", conclui.
Número de afetados pode duplicar
O neurologista Joaquim Ferreira afirmou, ao JN, que o número de doentes com Parkinson "vai subir substancialmente nos próximos 30 anos", podendo mesmo duplicar. E as pessoas chegarão a fases mais avançadas da doença. "O peso dos cuidados com a doença vai seguramente aumentar", avança. A explicação principal deve-se ao crescente envelhecimento da população: "23% das pessoas vão ter mais de 85 anos" em Portugal, daqui a três décadas, estima o clínico. Depois, há a exposição a tóxicos, como pesticidas, que poderá ser outro fator de risco. A doença de Parkinson não tem uma causa específica: apenas em 5% dos casos é detetada uma alteração genética.