Linha SNS24 enaltece a adaptação do serviço ao "boom" de chamadas durante a pandemia. Profissionais de saúde lamentam a falta de formação e dizem ter sido "esquecidos".
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Ricardo Monteiro, de 34 anos, é enfermeiro há dez. Entre 2018 e 2021 trabalhou na linha SNS24 no call center do Porto. "Uma profissão de desgaste rápido e muito stressante", por isso, o enfermeiro, já sem vínculo à Linha, optou por trabalhar apenas em cuidados continuados num centro de saúde, em Santa Maria da Feira, e faz um retrato "instável" do funcionamento do 808 24 24 24, durante a pandemia.
"Foi muito complicado, damos o máximo, atendíamos uma pessoa de cada vez com turnos em cima de dez e 12 horas, até para ajudar o país, e os meios não existiam, não respondiam", caracteriza ao JN, exemplificando que, "por vezes, o 112 era chamado pela Linha e não funcionava por problemas técnicos". "O sistema montado não estava preparado para o recorde de chamadas sempre a cair, não há meios, queríamos atender as chamadas e simplesmente o sistema não respondia", descreve o enfermeiro.
Após um primeiro momento, em 2020, no início da pandemia, "sem a existência de uma base de dados com a sintomatologia da covid-19", o serviço teve "algumas melhorias", com uma "longa adaptação". Porém, "com as horas e horas de espera de chamadas, com meios insuficientes", a linha "deixou de divulgar dados sobre as chamadas em espera". "Porque poderia haver fuga de informação. Nós víamos as chamadas em espera, havia grupos de Facebook, fotos, grupos whatsapp sempre a falar sobre a dificuldade dos meios e deixou de haver informações dadas aos efetivos a trabalhar na linha", partilha Ricardo Monteiro.
O enfermeiro diz que atendia cerca de seis chamadas por hora, todas sobre o SARS-Cov-2. Carlos Ramalho, presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), compara a situação "complexa" vivida na pandemia com os incêndios: "que todos os anos tentamos planear melhor e que todos os anos têm os mesmos problemas".
Reforço apressado
"A linha sempre existiu para situações comuns e não estava preparada para o agravamento da pandemia", reconheceu o dirigente, afirmando que o SNS24 reforçou o serviço "à pressa". O responsável nota que não "houve denúncias, nem queixas ao sindicato". "As regras são definidas de início e foram aceites".
"Acho que fomos desvalorizados", comenta o enfermeiro, explicando que os enfermeiros que trabalham "nos hospitais" tiveram, desde logo, acesso a cuidados psicológicos. "Essa ajuda chegou tardiamente. Cheguei mesmo a pensar que estávamos esquecidos", desabafa ao JN.
A mesma opinião tem uma psicóloga, que atende num call center no Norte, e que prefere não ser identificada. M., que atende desde janeiro de 2021, diz que se deparou "com falta de formação e apoio". "No início, sentimos muito, o país estava numa altura complicada, as pessoas estavam muito receosas, com muito medo, ainda havia muita desinformação, era muito difícil gerir a situação, porque não tínhamos muita informação, pouca disponibilidade do SNS24 e da Altice para ajudar os colaboradores".
Para além dos dados relativos à evolução das chamadas (ler ao lado), a linha SNS24 assinalou ao JN que "foi um dos principais suportes do combate à pandemia da covid-19 em Portugal".
Esforço coletivo e uma lição para o futuro
"É uma lição para fazer diferente no futuro", apontou ao JN Carlos Ramalho, presidente do Sindepor, reconhecendo que "estamos a falar de situações que não prevemos, mas que acontecem, como aconteceu a situação da pandemia e do seu agravamento". O dirigente sindical assume que nenhum país estava preparado e que Portugal não é exceção. "Cada país deu a sua resposta com a capacidade que tem no terreno",diz o responsável, acusando que agora é "tempo de refletir e haver planos de emergência para haver cada vez mais uma resposta eficiente". "Todos fizeram um esforço grande", remata.
Números
5000 profissionais de saúde foram contratados para a Linha SNS24. Foram atendidas 4 022 968 chamadas em 2020 e 6 069 869 utentes em 2021. Até 23 de fevereiro de 2022, 4 374 043 chamadas foram atendidas.
2 novos call centers foram criados, e 3000 chamadas atendidas em simultâneo. 141 690 utentes foram acompanhados na Linha de Aconselhamento Psicológico - dos quais 9308 profissionais de saúde.