O Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra está a investigar denúncias de assédio envolvendo dois membros da academia, entre eles o sociólogo e professor Boaventura Sousa Santos, que nega qualquer comportamento inapropriado.
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O Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra anunciou que irá constituir em breve uma comissão independente para investigar as denúncias de assédio sexual feitas num livro publicado no Reino Unido pela prestigiada editora académica Routledge. O capítulo em questão, escrito por três investigadoras, não menciona os nomes dos responsáveis, mas o CES decidiu abrir um inquérito.
As acusações feitas por três investigadoras - Lieselotte Viaene, Catarina Laranjeiro e Miye Nadya Tom - num dos 12 capítulos do livro britânico "Sexual Misconduct in Academia", publicado em março deste ano, alegam que terão ocorridos abusos sexuais e morais no centro de investigação da Universidade de Coimbra.
Em comunicado, a instituição afirma que "decidiu averiguar a fundamentação das alegações produzidas" e que "irá constituir num curto prazo uma comissão independente à qual caberá a identificação de eventuais falhas institucionais e a averiguação da ocorrência das eventuais condutas antiéticas referidas naquele capítulo".
Boaventura Sousa Santos entre os visados
Segundo o "Diário de Notícias", os visados são o antropólogo Bruno Sena Martins, investigador do quadro da instituição, e o sociólogo Boaventura Sousa Santos, diretor emérito do CES, que considera esta acusação "uma distorção e uma falsificação da realidade" a seu respeito e a respeito da instituição. Diz que está a ser vítima da cultura de "cancelamento" (fenómeno segundo o qual alguém é expulso de uma posição de influência ou fama devido a atitudes consideradas questionáveis) e acrescenta ainda que o artigo é "ataque ad hominem em que o mundo académico começa a ser fértil".
O investigador Bruno Sena Martins também refutou as acusações. "Por ora, quero deixar as declarações mais detalhadas para as instâncias próprias. Afirmo, no entanto, que o capítulo que incita ao linchamento público, agora em curso, contém gravosas mentiras e insinuações fantasiosas que ferem a minha dignidade e que atingem a minha reputação profissional", afirmou hoje, à agência Lusa.
"Num ambiente justicialista, qualquer que seja, é muito precário e doloroso qualquer exercício de contraditório. Quem acredita na democracia e na dignidade humana sabe que ela também cumpre pelo direito à defesa e ao devido processo", acrescentou.
O capítulo "The walls spoke when no one else would. Autoethnographic notes on sexual-power gatekeeping within avant-garde academia" não identifica nomes mas a própria instituição reconheceu-se em comunicado. Para além disso, segundo o Diário de Notícias, as três autoras passaram pelo CES no seu percurso académico.
A instituição admite que "embora tradicionalmente apresentadas como ambientes neutros e seguros, as instituições académicas e de investigação não são alheias ao sistema social e cultural que produz e reproduz relações de poder desiguais". Acrescenta ainda que não "se demite da responsabilidade que tem na promoção efetiva de um ambiente de trabalho científico mais igualitário e livre de todas as formas de assédio" e afirma reiterar o seu "compromisso com a promoção da política institucional necessária para que o CES seja um espaço efetivamente livre de quaisquer formas de abuso ou assédio".
Segundo o comunicado emitido pelo CES, a "instituição tem vindo, desde 2019, a adotar um conjunto de instrumentos que visam capacitá-la para dar respostas adequadas neste âmbito: aprovou-se o Código de Conduta do CES, clarificou-se o papel e âmbito de atuação da Comissão de Ética, criou-se a Provedoria do CES e operacionalizou-se um canal de denúncias, incluindo denúncias anónimas, aprovou-se um Plano para a Igualdade de Género e uma Política de Proteção à Infância". E lamenta que estes instrumentos "só recentemente tenham sido criados".
A comissão independente nomeada pelo CES será composta por dois elementos externos, um dos quais lhe presidirá, e pela Provedora do CES. Os membros externos terão competências reconhecidas no tratamento de processos análogos.