"É normal um médico ficar extenuado e dar um grito". SNS24 vai ter apoio psicológico
A partir da próxima semana, a linha SNS24, além de uma pré-avaliação dos sintomas do novo coronavírus, contará com um serviço de apoio psicológico destinado à população e aos profissionais de saúde que precisem de ajuda. Nos últimos dias, 200 especialistas já tinham reforçado a linha telefónica numa vertente mais informativa sobre assuntos relacionados com a Covid-19.
Corpo do artigo
"Estamos a criar um serviço de apoio psicológico de raiz. Até porque não existe grande capacidade de resposta nos cuidados de saúde primários", explica o bastonário da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), Francisco Miranda Rodrigues, sublinhando que os profissionais serão assegurados pelos serviços partilhados do Ministério da Saúde.
O responsável adianta que a linha foi criada para "responder a necessidades decorrentes da crise", nomeadamente, a pensar nas pessoas "que estão em isolamento e possam ter dificuldades em ultrapassar desconfortos, como a ansiedade e o stress".
"Acredito que a grande maioria da população conseguirá adaptar-se. Mas poderá existir um número anormal de pessoas que tenha dificuldade nessa adaptação e necessite de aconselhamento. Esta linha vem criar uma resposta de modo a evitar que, no futuro, as pessoas possam desenvolver outro tipo de perturbações, como perturbação mental, que exigiria outro tipo de intervenção mais prolongada", elucida Francisco Miranda Rodrigues.
11931622
O bastonário da OPP acrescenta que o que se pretende é que as intervenções através da linha sejam "breves, iminentemente de aconselhamento, que tentam voltar a dar autonomia à pessoa que procurou ajuda". Antes disso, sugere o especialista, os cidadãos devem aceder ao site da Ordem, onde já se encontram documentos e vídeos com estratégias para manter o bem-estar. "Temos vídeos sobre como aplicar técnicas de relaxamento para adultos e crianças", exemplifica.
Francisco Miranda Rodrigues acredita que a linha do SNS24 será, sobretudo, usado pela população em geral.
Hospitais com serviços e linhas próprias para profissionais e doentes
Para profissionais de saúde, doentes e familiares destes, há vários serviços e linhas a serem criadas pelos próprios hospitais. O Hospital de São João, no Porto, tem nove psicólogos afetos a um novo serviço de apoio psicológico, feito através de telefone. O Hospital de Braga, também, já criou uma linha interna com seis psicólogos que integram o Serviço de Psiquiatria. "Adicionalmente, será, ainda, reforçado o apoio psicológico junto dos utentes internados", elucida a unidade hospitalar.
11949723
Em Coimbra, o hospital universitário mantém consultas de burnout para profissionais e o Centro Hospital Universitário de Lisboa Central (CHULC) garante que "muitos dos profissionais estão já a receber apoio no gabinete de Psicologia que integra a Área de Saúde Ocupacional do CHULC". Neste âmbito, adiantam, "uma das prioridades é aumentar a capacidade de resposta. Está, por isso, a ser criado um plano mais alargado de intervenção na crise".
211 psiquiatras apoiam casos mais graves de stress e ansiedade
Destinado só a profissionais de saúde, a Escola de Medicina da Universidade do Minho criou o projeto "Cuidar de quem cuida", que traz uma resposta por parte de psiquiatras a médicos, enfermeiros e outros profissionais que precisem de ajuda.
"O psicólogo pode ter uma intervenção nas situações em que é necessária uma abordagem mais comportamental. A psiquiatria intervém numa situação de ansiedade ou perturbação que já afeta gravemente o sono, em que a pessoa está com sentimentos de culpa e num estado depressivo", esclarece a psiquiatra Susana Almeida, uma das 211 voluntárias que estão a colaborar com o projeto.
11929350
Concretamente, trata-se de um serviço de consultas de psiquiatria por videochamada, cujas inscrições podem ser feitas através de um formulário disponível em www.p5.pt/apoio. Arrancou no passado domingo e, em três dias, teve 34 pedidos.
"São queixas de ansiedade, medo e dificuldade de gerir as emoções. O medo de se contaminarem e contagiar alguém. Também temos profissionais que já sofrem de doença psiquiátrica e podem ter agravamento da doença", relata Pedro Morgado, coordenador do projeto, que tem apoio do Programa Nacional de Saúde Mental da Direção Geral de Saúde, Ordem dos Médicos, Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental e Associação Portuguesa de Internos de Psiquiatria.
O primeiro caso que chegou a Susana Almeida foi de uma enfermeira que nem sequer está a trabalhar. "Já estava de baixa por perturbação depressiva. Mas, esta situação toda, causou-lhe um agravamento. Sente culpabilidade, porque entende que deveria estar a trabalhar. O facto de não poder estar a ajudar causa-lhe um stress ainda maior", conta a psiquiatra, sublinhando que o projeto pode ajudar, também, os profissionais que não estejam na primeira linha do combate à pandemia.
Segundo Susana Almeida, o apoio psiquiátrico pode ser fundamental para travar casos de "stress pós-traumático" que poderão advir da situação atual.
Contudo, esclarece que há alguns comportamentos dos profissionais que poderão ser normais e não devem ser sinal de alarme. "O desabafo emocional é normal. Os médicos também são pessoas, podem desabafar e isso não significa que tenham doença mental ou sejam maus profissionais. É normal um médico ficar extenuado e dar um grito, é normal chorar ou ter que parar e vir à rua apanhar ar", explica a especialista.