"Repugnante e vergonhoso": Em Braga e Bragança, a fé não esmorece mas pedem-se medidas
Na loja de recordações junto à Sé de Braga não há mãos a medir, muito menos quando um grupo de turistas turcos chega à procura de alguma coisa que simbolize a passagem pela cidade. A poucos metros, Gabriela Vieira tenta fazer o mesmo, mas através do telemóvel, com que capta várias fotografias em frente a um dos monumentos bracarenses mais emblemáticos. Em Portugal há 10 meses, a brasileira vive atualmente em Famalicão e aproveitou o domingo para descobrir Braga. Não foi à missa, mas garante que é católica praticante e que "não poderia ficar indiferente" ao tema que está a abalar a Igreja: os abusos sexuais.
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"Claro que não perdi a minha fé, mas é um assunto que afeta a confiança. Fico de pé atrás e a pensar se de facto os padres cumprem aquilo que pregam, se acreditam nas suas palavras", diz ao JN, sublinhando que este é um tema "demasiado sério" para ser abordado com leviandade. "Não se pode fazer de conta que não existe, tem de se falar sobre estes casos", aponta.
Com o final da missa das 11.30 horas, a segunda que a Sé de Braga recebeu neste domingo, abrem-se as portas para a saída das dezenas de pessoas que preencheram a catedral. António Gonçalves é um dos primeiros a fazê-lo. Garante que ali continua a deslocar-se regularmente porque acredita numa "religião de adoração a Deus e não a padres".
"Tudo o que está a acontecer é repugnante e vergonhoso. Eu não punha o meu neto nos escuteiros nem noutra instituição semelhante", garante o bracarense, de 70 anos, para quem "todos estes casos não podem ser suavizados" e é preciso "medidas", nomeadamente o afastamento dos sacerdotes implicados. "Tem de ser o Vaticano a tomar uma posição clara sobre este assunto e a dizer aquilo que tem de ser feito para limpar a Igreja", vinca.
O rebentar do escândalo não surpreendeu Maria do Céu, de 76 anos, para quem todas as denúncias têm um efeito "bola de neve" e fazem com que "vão surgindo outras". "Como em todo o lado, na Igreja também há bons e maus. Cada caso tem de ser analisado para saber o que aconteceu. Se se confirmar, os padres têm de ser afastados", afirma.
Para esta bracarense, que vai à missa sempre que pode, o celibato a que os sacerdotes estão obrigados é "um dos grandes problemas". "Os padres deviam poder casar e ter família, como qualquer pessoa", frisa.
Um crime abominável e abjeto
Mudanças profundas e eficazes, que permitam sanar os abusos sexuais no seio da Igreja, é o que pedem os católicos de Alfaião, aldeia do concelho de Bragança onde, este domingo de manhã, cerca de meia centena de crentes assistiram à eucaristia celebrada pelo padre Estevinho Pires.
"Acho que o assunto deve ser divulgado porque é muito grave. Devem ser tomadas medidas, quem cometeu os abusos, os crimes, deve pagar por eles, ser punido e corrigido", explicou Lázaro Pereira, 29 anos, que sempre que pode vai à missa ao domingo e não pensa afastar-se da religião por causa deste tema tão polémico.
Na parte final da eucaristia, o próprio pároco condenou os abusos sexuais e a pedofilia, que considera "um crime abominável e abjeto", vincou.
Tal como defende o Papa Francisco, o padre Estevinho Pires pediu "tolerância zero" com as situações, bem como ação. "Mais do que palavras, requerem-se determinações seguras. Não bastam palavras de arrependimento e consolação para com as vítimas de abusos sexuais por parte dos membros da Igreja", referiu.
"Nunca será suficiente o que fizermos para tentar reparar os danos causados", disse aos fiéis, escusando-se a comentar o assunto ao Jornal de Notícias.
Lázaro Pereira teme que a questão dos abusos sexuais "contribua para um desligamento ainda maior da religião".
Também Hélder Alves, de 42 anos, considera que os fiéis deixam de ir à igreja para assistir à missa e ficam em causa deste assunto que é uma ferida na igreja católica. "As pessoas começam a deixar de acreditar, porque confiavam nos padres", confessou Hélder.
Entre os fiéis da localidade há unanimidade na defesa do fim do celibato dos padres. "O Papa Francisco ontem falou nisso, eu concordo com ele. Devia haver abertura para o casamento. Até acho que haveria mais jovens a irem para padres e evitavam-se certas coisas", observou Delfina Pires, 68 anos.
O assunto foi tema de conversa dos populares à entrada e à saída da eucaristia, sobretudo porque é do que mais se fala na televisão e ontem foi divulgada pela Diocese de Bragança-Miranda a lista com três padres alvo de denúncias de abusos, nomeadamente um que já morreu, outro que foi enviado para a sua diocese de origem e um terceiro já sancionado com suspensão de todas as funções, pena canónica que já cumpriu. "Deve haver mais casos, mas as pessoas que foram vítimas não querem remexer no passado, até porque deve ter sido algo doloroso nas suas vidas. Por receio não contam", explicou Justina Alves, 52 anos.
Quem anda saturada de tanta polémica é Glória Andrade, 69 anos, porque "não se fala noutra coisa na televisão": "A gente é católica e sofre com tudo isto".