"Hoje, pelas 5 horas da tarde, quando Suas Magestades, regressando de Villa Viçosa, atravessaram o Terreiro do Paço, em carruagem descoberta, que conduzia também Suas Altezas, foram barbaramente alvejados com tiros de revolver e carabina, sendo assassinados El-Rei e o Principe Real". Foi assim que, a 2 de fevereiro de 1908, o JN deu a notícia do assassinato do rei D. Carlos e do príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, citando uma nota emitida pelo Governo Civil do Porto. Menos de três anos depois, em 1910, o país passou a ter a forma de governo "mais perfeita", escreveria então o jornal.
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Em 1908, o JN relatou a forma como ocorreu o regicídio: quando a carruagem real passava "em frente ao ministério da fazenda, um homem de barba longa, cuja identidade é ainda desconhecida, tirou debaixo do casaco uma carabina desfechando um tiro sobre o rei". Em Lisboa, instalou-se um "ambiente de consternação", tendo a ordem ficado "completamente assegurada".
Dois dias depois, o jornal revelava a identidade do regicida: "Chamava-se Manuel dos Reis da Silva Boiça, tinha 32 annos, era natural de Vinhaes, filho do abbade da sua terra e da Maria Boiça". Na mesma página, descrevia-se o ambiente no Porto: "Hontem, a cidade teve o movimento habitual dos dias de trabalho, vendo-se nas ruas muitas pessoas trajando de luto ou trazendo, pelo menos, gravata preta". Os jornais "tiveram uma venda extraordinaria", sendo que "os vendedores não largavam das mãos por menos d'um vintem" os exemplares que chegavam de Lisboa.
Apesar do restabelecimento da ordem, a Monarquia caminhava para o fim. O Ultimato Inglês, em 1890, a revolta do 31 de Janeiro do ano seguinte, no Porto, ou a ditadura de João Franco (1907-1908) anunciavam o final do regime, que se consumaria a 5 de outubro de 1910. Porém, o JN só o conseguiria confirmar no dia 7, por antes disso "não haver communicações com a capital".
No dia 6, a única notícia sobre a queda de D. Manuel II teve como fonte aquela que seria uma das maiores figuras da República: "O sr. dr. Affonso Costa mandou um telegramma dizendo que a ordem está restabelecida, reinando um enthusiasmo extraordinario", lia-se.
No dia 7, o JN celebrou a mudança: "A monarchia portugueza, que resistiu a nove seculos de contingencias historicas, succumbiu ante-hontem aos erros e crimes dos ultimos tempos. Substitue-a a fórma de governo republicana que, sendo philosophicamente a mais perfeita, é também, de facto, a que no momento actual simbolisa as aspirações do povo". Pelo "descalabro das finanças" e por ter recorrido à "mais revoltante tyrannia" para impor o "cerceamento de todas as liberdades", a Monarquia ruía sem deixar saudades.