Era um guião em relação ao qual já se sabia de antemão as últimas cenas. A moção de censura ao Governo, apresentada pelo CDS, foi chumbada esta terça-feira graças do apoio à Esquerda e do PAN. Porém, BE, PCP e PEV mostraram desconforto com parte das medidas que o PS quer levar a cabo no pós-tragédias dos incêndios.
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O CDS e o PSD acabaram por ter posições concertadas, ainda que os social-democratas não se tenham conseguido descolar de um papel secundário. Aliás, a bancada laranja não só foi buscar o ex-líder parlamentar Luís Montenegro para anunciar o voto do partido, como este acabou por ser muito mais aplaudido do que o seu sucessor - Hugo Soares. Já do lado dos centristas, Assunção Cristas assumiu quase por inteiro a defesa da apresentação da moção.
Esquerda faz avisos à navegação
Nenhum dos três partidos que apoiam a solução governativa teve palavras menos duras do que outro para com António Costa. Na primeira intervenção do Bloco de Esquerda, Catarina Martins lamentou a ineficácia socialista este verão em relação aos incêndios - "como pôde o Governo estar tão impreparado, quando já sabíamos que este seria um ano de grandes riscos?". E o PCP juntou-se ao coro de críticas logo depois, não isentando o Executivo de responsabilidades: "as opções do atual Governo têm de ser questionadas e criticadas na medida que não inverteram decisões anteriores, no desinvestimento da floresta e nos meios de combate aos incêndios". Aliás, o comunista António Filipe, sem nunca se ter referido a moção censura, alertou Costa de que "há uma grande desconfiança das pessoas porque não foram tomadas as medidas necessárias".
Viria de Heloísa Apolónia, líder parlamentar do PEV a crítica mais cerrada, ao levantar dúvidas sobre a nomeação para a unidade de missão sobre os fogos florestais de Tiago Martins Oliveira. "O país precisa de alguma credibilidade nas escolhas que se fazem", disse, aludindo ao facto de o técnico vir de uma ligação à Navigator, empresa de celulose.
Contudo, a Esquerda jogou com duas estratégias: se confrontou o Governo quanto ao que aí vem, não deixou de apontar baterias ao CDS pela moção apresentada - acusando de oportunismo Assunção Cristas e estendendo semelhantes críticas ao PSD.
Costa defende escolha para unidade de missão
António Costa falou muito pouco do que aconteceu e fez uma corrida em frente ao longo de todo o debate, focando as suas respostas quanto ao que foi aprovado pelo Conselho de Ministros, no sábado passado.
"Cumprimos aquilo que o Governo se comprometeu a fazer, criaremos mecanismos para reparar a perda de vidas humanas", referiu o primeiro-ministro, que frisou ter como "responsabilidade implementar aquilo que é proposto pela Comissão Técnica Independente, que implica reformar o que foi feito há 12 anos". "Fazer aquilo que ficou por fazer", garantiu.
Costa defendeu também Tiago Martins Oliveira como o nome escolhido para a unidade de missão sobre os fogos florestais. "Não é acionista ou tem qualquer interesse na Navigator. É trabalhador da Navigator. E sobretudo, é alguém cujo currículo profissional e cívico, desde bombeiro a sapador florestal, a doutorado em gestão de risco e em especialista em gestão de incêndios. Tem - a nível nacional e internacional - um prestigio à prova de bala", atirou. Quanto à função de Tiago Martins Oliveira na Unidade de Missão para os Fogos Florestais, o primeiro-ministro acrescentou que a "missão que lhe foi confiada não foi de gerir a floresta, foi de gerir a transição do modelo de prevenção e combate aos incêndios florestais, que é precisamente a sua área (de trabalho)".
O chefe do Governo descansou ainda os parceiros à Esquerda, que questionam o impacto das medidas aprovadas no sábado no Orçamento: "nenhumas das medidas para a reposição dos rendimentos dos portugueses será sacrificada".
Ataque à direita, mas diferenças nos focos
Quando teve de justificar a moção de censura que anunciou logo após a segunda tragédia, com os incêndios na região centro, a líder do CDS alegou que o partido deu "voz à censura popular, quando o país incrédulo ouviu o primeiro-ministro como se nada de relevante tivesse acontecido", acusando Costa de um volte-face pouco credível: "arrepiou caminho vencido, mas não convencido". "Quando o país precisava de um estadista percebeu que tinha um político habilidoso", disse.
"Foi o falhanço de uma estrutura pensada e estruturada pelo ex-ministro da Administração Interna, António Costa, e nomeada agora pelo primeiro-ministro, António Costa, de acordo com o critério amizade e não da competência", argumentou Cristas, criticando a estrutura da Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Já o PSD, não deixou passar o facto de a ex-ministra Constança Urbano de Sousa, eleita pelo círculo do Porto, e o ex-secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, eleito por Bragança, terem regressado ao Parlamento, agora como deputados, para pedir contas. Cabendo ao líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, apontar a António Costa "soberba, insensibilidade e incompetência", por ter mantido no "cargo uma ministra que não tinha condições".
Apesar do tom duro, a bancada laranja só se levantaria para um aplauso quase duas horas depois, agradada com Luís Montenegro, o ex-líder parlamentar que mostrou ser mais do que uma sombra do seu sucessor. Quando teve de anunciar o voto favorável à queda do Governo, Montenegro invocou que Costa não passou de um "tecnocrata de mediana categoria" nos momentos em que se exigia mostrar um primeiro-ministro eficaz.