O relatório preliminar da comissão de inquérito à TAP isenta o Governo na indemnização a Alexandra Reis, não aponta interferências políticas na gestão da empresa e não faz considerações sobre o caso ocorrido no ministério de João Galamba que levaram à intervenção do SIS, apesar do assunto ter dominado algumas audições.
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Com 181 páginas, o documento foi redigido pela deputada socialista Ana Paula Bernardo. Na introdução, a deputada escreve que "este é um relatório sobre a TAP" e, assim, "procurou-se a exposição e até mesmo alguma contaminação do relatório, a um conjunto de ações, situações e discussões que foram sendo arrastadas para a Comissão de Inquérito da TAP". Referia-se aos acontecimentos ocorridos nas instalações do ministério das Infraestruturas que motivaram a atuação do SIS. Ana Paula Bernardo considera que a não inclusão no relatório "não desvaloriza a sua pertinência ou relevância" e recorda que "o caso foi já remetido para as entidades policiais relevantes, do qual resulta a abertura de inquérito no Ministério Público". Conheça as principais conclusões deste relatório preliminar.
Alexandra Reis demitida por "exclusiva vontade" da CEO
O relatório conclui que a cessação de funções de Alexandra Reis na TAP partiu da "exclusiva vontade e iniciativa" de Christine Ourmières-Widener. Acrescenta, ainda, que o processo foi "integralmente gerido" pela antiga CEO e que, "só num momento final e depois de concluído o processo negocial, foi dado a conhecer a todos os membros do Conselho de Administração". Os motivos do despedimento, de acordo com a relatora, não foram apurados com "exatidão". Ainda assim, admite que havia "urgência" no processo. Prova disso, lê-se no documento, é "o curto espaço de tempo em que decorreu a negociação da indemnização e dos termos do acordo". As razões para "tal urgência por parte de Christine Ourmières Widener" ficam "igualmente por compreender". Certo, aponta o relatório, é que a forma como foi conduzido o processo de cessação de funções "não respeitou as disposições legais, nomeadamente o Estatuto de Gestor Público a que todos os administradores da TAP se encontravam sujeitos". A cessação de funções, refere o documento, "foi conduzida em termos que estão mais próximos das práticas regulares de gestão de empresas privadas".
Valor da indemnização "não foi definido pelo Governo"
Ainda sobre o afastamento de Alexandra Reis da TAP, o processo negocial decorreu num período de cerca de 10 dias. E o valor final de indemnização, aponta o relatório preliminar, "foi estabelecido entre os advogados e as partes, não tendo sido definido pelo Governo". "Christine Ourmières-Widener entendeu, desde o primeiro momento, contratar uma sociedade de advogados", lê-se.
"Não há evidências" de que o ministério das Finanças sabia da indemnização, aponta relatora
De acordo com a relatora, a "CPI apurou não existirem evidências de que a tutela acionista da TAP, o Ministério das Finanças, tivesse tido conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis". Não houve "comunicação nem por parte da TAP, nomeadamente do PCA ou do CFO, enquanto principais interlocutores com esta tutela, nem por via do Ministério das Infraestrtuturas e Habitação, nem pela própria Alexandra Reis". Assim, conclui, o "Ministério das Finanças teve conhecimento no momento da publicação no site da CMVM do comunicado enviado pela TAP no dia 4 de fevereiro". Já o ministério das Infraestruturas e Habitação, na altura tutelado por Pedro Nuno Santos, teve conhecimento do processo de saída de Alexandra Reis. Pedro Nuno Santos soube “no início de janeiro de 2021" e, "por solicitação de Christine Ourmières-Widener, autoriza-a a proceder à reconfiguração da Comissão Executiva, para atender à vontade da CEO de escolher a sua equipa de trabalho”. No final do processo, o relatório diz que Pedro Nuno Santos deu "a sua aceitação ao valor acordado entre as partes”. Por sua vez, “Hugo Mendes foi acompanhando o processo de negociação da compensação”. Todavia, “nem Pedro Nuno Santos, nem Hugo Mendes conheciam o clausulado do acordo, ainda que conhecessem a discriminação das várias parcelas englobadas no montante da indemnização”. Sobre as conversações via WhatsApp, o relatório diz que "não se pode inferir que o processo decisório do ministério não seja formal".
Relatório não encontra ligação entre saída da TAP e nomeação para a NAV
De acordo com o relatório, Alexandra Reis foi nomeada presidente do Conselho de Administração da Navegação Aérea (NAV) a convite de Hugo Mendes, o então Secretário de Estado das Infraestruturas, e o "processo de nomeação seguiu os trâmites legais e expectáveis". O documento sublinha que não há "evidências de qualquer conexão entre a saída da TAP e o convite e respetiva nomeação para a NAV". Até porque "todas as declarações sobre esta matéria apontam para o desconhecimento de tal possibilidade, aquando do processo de renúncia na TAP". A decisão da nomeação terá tido por base apenas "o perfil, as sólidas competências e o conhecimento profundo do setor por parte de Alexandra Reis".
Relatora diz não haver "evidência" de "interferência na gestão" da TAP
O documento preliminar diz não haver "situações com relevância material que evidenciem uma prática de interferência na gestão corrente da empresa por parte das tutelas", alegando que "a generalidade dos depoimentos aponta para a inexistência de interferência ou ingerência política das tutelas na gestão corrente da empresa". Acrescenta, também, que as situações apontadas “como alegados exemplos de interferência política durante as 25 audições” trata-se de “iniciativas de membros da Administração da TAP solicitando à tutela uma orientação ou tomada de decisão sobre um assunto concreto” (exemplifica com o pedido de alteração de voo do Presidente da República) ou de “situações em que a tutela intervém quando uma decisão de gestão da Administração assumiu repercussões políticas, num contexto delicado da vida da empresa e dos enormes sacrifícios que estavam a ser impostos aos 31 trabalhadores” (como foi o caso da substituição da frota automóvel).
No entanto, a relatora reconhece que há “duas situações de envolvimento da tutela setorial”, admitidas por Hugo Mendes: “o email que o próprio qualificou como opinião infeliz, sobre a resposta dada à CEO da TAP relativo ao pedido de alteração de voo do Presidente da República” e “a presença de Hugo Mendes na reunião de preparação de resposta da TAP ao despacho conjunto das tutelas sobre o caso da saída de Alexandra Reis”. No entanto, em ambos os casos, frisa o relatório, “parece não haver evidências de condicionamento nas 6 decisões finais da TAP”.
Fundos Air Bus não estavam na lista de documentos entregues ao tribunal
O relatório aponta que "a lista de evidências reportada pelo Tribunal de Contas difere da listagem de documentação identificada pela Parpública como tendo sido enviada ao Tribunal, uma vez que, na lista do Tribunal não constam referências aos Fundos Airbus”. Neste contexto, será feita uma nova auditoria.
Redução de trabalhadores criou "constrangimentos"
Segundo o documento, o plano de reestruturação teve "impactos negativos sobre os trabalhadores". À comissão parlamentar de inquérito à TAP chegaram relatos de que a redução de trabalhadores "tem atualmente criado constrangimentos nalgumas áreas operacionais" da companhia aérea. O relatório sublinha que, face à melhoria do desempenho económico em 2022 e início de 2023, "o Conselho de Administração da TAP já entendeu reduzir alguns destes cortes salariais e proceder a novas contratações".