Análise ao primeiro mês com óbitos provocados pela pandemia revela uma mortalidade acima do esperado. Pessoas a partir dos 75 anos mais afetadas.
Corpo do artigo
Entre 16 de março - dia em que se verificou a primeira morte atribuída ao novo coronavírus em Portugal - e o dia 14 de abril registaram-se mais 1255 óbitos do que o esperado, com base na mortalidade média diária dos últimos dez anos. Mais de 600 por motivos não atribuíveis diretamente à Covid-19.
Os dados revelados ontem pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), integrado no Barómetro Covid-19, mostram que são as pessoas com mais de 75 anos a serem afetadas "de forma desproporcionada" por este aumento da mortalidade.
São "1030 óbitos acima do esperado para as pessoas com mais de 75 anos e só 64 óbitos acima do esperado para as pessoas entre os 65 e os 74 anos", lê-se no documento. Do excesso de mortes, 49% foram atribuídos à Covid-19 e os restantes 51% a "outras patologias".
Alexandre Abrantes, um dos investigadores, explicou ao JN que foram utilizadas duas metodologias diferentes. Numa, o resultado apontou para 1255 óbitos a mais do que o esperado, na outra 1214 (599 por Covid-19 e 615 por outros motivos). "Fizemos os dois métodos para ter a certeza que a estimativa era razoável. Chega-se à conclusão que o número de óbitos esperados é mais ou menos o mesmo. A diferença é muito pequena", salientou.
Sobre as causas das mortes não atribuídas à Covid-19, os investigadores apontam várias razões possíveis. Na opinião do professor da ENSP, há duas que se destacam. Por um lado, mortes de pessoas idosas a quem a Covid-19 não chegou a ser diagnosticada. Por outro, pessoas com doenças agudas ou crónicas que podem não ter procurado o sistema de saúde por medo de serem contaminadas.
O investigador cita um estudo recente da mesma instituição, que o JN noticiou, que aponta para uma redução de 48% na procura dos serviços de urgência. "As idas às urgências não são todas falsas", frisou.
Falta de resposta
O estudo aponta ainda as mortes de doentes de Covid-19 com outras comorbilidades, tendo sido apontadas a estas as causas dos óbitos. E aqueles que, procurando os serviços de saúde, "encontraram as estruturas, os profissionais e os equipamentos fortemente dedicados à resposta aos doentes com Covid-19, não tendo por isso recebido o nível de atenção que teriam recebido em circunstâncias normais".
O médico de saúde pública adianta ainda que, por ter sido a partir dos 75 anos que se verificou o maior número das mortes acima do esperado (mais de mil), é preciso dar uma atenção particular às idades mais avançadas. "Se na campanha do ano que vem quisermos evitar mortes, temos que estar extremamente concentrados na população mais idosa", sublinhou.
No final de abril, revela ainda o trabalho, "observa-se a tendência para a redução da mortalidade", o que pode ser resultado das medidas de confinamento.
Acidentes de viação
A restrição da circulação levou a uma diminuição nos acidentes de viação, o que se traduziu num número de mortes por causas externas (que inclui estes acidentes) inferior ao esperado com base nas médias dos últimos dez anos. "Este facto sugere que o excesso de mortalidade teria sido ainda maior se não tivessem quase desaparecido os óbitos por causa externa associados com a mobilidade das pessoas", diz o estudo.
Inversão no número
O trabalho sublinha ainda que os meses de março e de abril são, normalmente, meses com mortalidade mais baixa do que os anteriores. Mas em 2020 nota-se uma inversão dessa norma a partir de 11 de março.