PAN e BE já revelaram diplomas, vão seguir-se propostas do PS e de Os Verdes para regulamentação sobre a morte medicamente assistida. Na Europa, três países já a permitem e a generalidade tolera o ato. A temática é polémica e tem a oposição frontal da Igreja.
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Em Portugal, a eutanásia, que é a morte medicamente assistida a pedido de doentes incuráveis, não está tipificada como crime sob esse nome. Mas a sua prática pode ser punida por três artigos do Código Penal: homicídio privilegiado (artigo 133.º), homicídio a pedido da vítima (artigo 134.º) e crime de incitamento ou auxílio ao suicídio (artigo 135.º). Todas as penas envolvem prisão.
A punição varia entre um a cinco anos de cadeia para o homicídio privilegiado, até três anos para homicídio a pedido da vítima e de dois a oito anos para o crime de incitamento ou auxílio ao suicídio.
Projetos de lei seguem à esquerda
A legislatura anterior já viu quatro diplomas de lei que propunham a descriminalização da eutanásia serem chumbados no Parlamento. As propostas partiram do Partido Socialista, Bloco de Esquerda, partido Pessoas Animais Natureza e ainda Os Verdes; os chumbos foram alavancados pelos votos contra do Partido Comunista Português, CDS-Partido Popular, Partido Social Democrata e ainda por dois deputados do PS, que não seguiram a indicação de voto da direção do partido.
A nova legislatura iniciada em 26 de outubro pelo XXII Governo Constitucional volta a focar o tema: o BE relançou o seu diploma logo no primeiro dia de trabalhos parlamentares, o PAN, que tem o assunto no seu programa eleitoral desde 2005, fê-lo esta semana. Vão seguir-se brevemente projetos de lei do PS e ainda de Os Verdes.
Pedido atravessa patamares de responsabilidade
No essencial, os quatro projetos de alteração de lei têm em comum a despenalização de quem pratica a morte assistida e a garantia da possibilidade de invocar objeção de consciência para médicos e enfermeiros - o Juramento de Hipócrates feito pelos médicos na sua formatura, diz taxativamente "guardarei respeito absoluto pela vida humana desde o seu início, mesmo sob ameaça e não farei uso dos meus conhecimentos médicos contra as leis da Humanidade".
Os quatro diplomas preveem que só podem solicitar a morte medicamente assistida pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável, sendo necessário confirmar várias vezes esse desejo, e em diferentes patamares de responsabilidade ética e médica.
Os projetos de lei estipulam, com certas diferenças, as condições para um paciente pedir para morrer, confirmando, por várias vezes, essa vontade, e mediante vários pareceres positivos de médicos. De acordo com os textos dos quatro projetos, o pedido de morte medicamente assistida só pode ser feito pelo próprio, tem que ser executado através de um médico, e com salvaguardas de avaliação por comissões técnicas, conforme solução proposta pelos partidos.
Serão criadas comissões de avaliação
Entre várias particularidades, os processos de pedido de morte assistida poderão ser travados, caso o doente mude de opinião, em qualquer altura. O processo também não avançará no caso de um dos pareceres médicos ser negativo - há, evidentemente, possibilidade de recurso da decisão para as comissões criadas para avaliar os processos.
Aqui, cada partido tem uma solução diferente. O PAN propõe uma Comissão de Controlo e Avaliação da Aplicação da Lei, que também acolhe e analisa os processos de morte medicamente assistida, composta por médicos, juristas e um representante da área da ética ou da bioética.
O projeto socialista pretende criar uma Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Antecipação da Morte; esse corpo compreenderá juristas, médicos, enfermeiros e um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
O diploma do BE sugere a instituição da Comissão de Avaliação dos Processos de Antecipação da Morte, a funcionar no âmbito da Assembleia da República, que também decide sobre os processos, regendo-se por regulamento próprio.
O partido Os Verdes aponta expedientes distintos: propõe a criação de várias comissões, uma por cada área de Administração Regional de Saúde, cabendo a essas comissões locais, compostas por médicos, enfermeiros, advogados e um magistrado, fazer a avaliação dos pedidos de cada região. Os Verdes sublinham que as decisões terão que ser tomadas por maioria de dois terços e não pode haver abstenções.
Igreja redobra atenção à defesa da vida
Socialmente, o tema de solicitação da própria morte é polémico. Em termos políticos divide claramente a esquerda da direita. Em termos religiosos, a cúpula da Igreja é frontalmente contra a eutanásia.
Na abertura da 197.ª assembleia plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), em Fátima, Manuel Clemente vincou que "a defesa e promoção da vida, da conceção à morte natural", merece hoje "redobrada atenção". E mais: "Nunca é absolutamente seguro que se respeita a vontade autêntica de uma pessoa que pede a eutanásia. Nunca pode haver a garantia absoluta de que o pedido da eutanásia é verdadeiramente livre, inequívoco e irreversível", citou o presidente da CEP, que é também cardeal-patriarca de Lisboa.
Manuel Clemente lembrou que, face a "situações difíceis" de manutenção da vida, o caminho defendido pela CEP "só pode e deve ser o desenvolvimento e a generalização" dos cuidados paliativos.
O cardeal-patriarca lembrou ainda que entre a comunidade médica foi produzida uma declaração conjunta "de cinco antigos bastonários da Ordem dos Médicos, em setembro de 2016", e que em outubro "a Associação Médica Mundial reafirmou a sua oposição à eutanásia e ao suicídio medicamente assistido".
Maioria de médicos no Norte é a favor
Segundo um inquérito realizado este verão no norte do país pelo CINTESIS - Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, a maioria dos médicos é a favor da legalização da eutanásia em Portugal. O estudo, da autoria de Sofia da Silva, Luís Azevedo e Miguel Ricou, auscultou 251 profissionais de seis hospitais e de 15 centros de saúde da região Norte, incluindo diferentes especialidades como anestesiologia, oncologia, psiquiatria, medicina geral e familiar e ainda medicina interna.
55% dos médicos concorda com cenários de eutanásia voluntária (em circunstâncias que explicitam a vontade do adulto com doença incurável ou terminal, incapacitante, com dor ou sofrimento insuportável). Menos de 40% concorda com cenários de eutanásia involuntária e apenas 20% aceitam a eutanásia num "adulto com doença terminal que ainda goza de boa qualidade de vida", destaca o inquérito que foi publicado na Revista Ibero-americana de Bioética.
Os resultados sublinham ainda que entre os médicos favoráveis à eutanásia, os mais novos estão em maioria, sendo sublinhado que estes possuem menos experiência profissional e não manifestam crença religiosa.
Três país europeus já permitem eutanásia
Holanda e Bélgica, desde 2002, e Luxemburgo, desde 2009, são os três únicos países europeus que já descriminalizaram a eutanásia e permitem o suicídio assistido nas suas leis gerais.
Legalmente, na Holanda é necessário que a pessoa que solicita a morte tenha doença incurável, esteja em sofrimento insuportável e não veja qualquer perspetiva de melhorar. É condição primordial que mantenha a plenitude das suas capacidades mentais. O recurso à eutanásia é permitido a partir dos 12 anos, mas o consentimento dos pais é obrigatório. Na Holanda existe a Comissão de Controlo da Eutanásia.
Na Bélgica, a comissão que avalia os casos de eutanásia é federal e a lei também permite, desde há cinco anos, os pedidos de menores de idade. A lei descriminalizou a eutanásia em todas as variantes, não fazendo distinção entre suicídio assistido, abreviação da vida por uma terceira pessoa ou deixar simplesmente falecer, se esse for o desejo manifestado, obrigatoriamente por escrito, do paciente.
A lei luxemburguesa, adotada há dez anos, é muito semelhante à dos seus vizinhos belgas, mas não permite o ato de eutanásia a menores de idade.
Parlamento estudou 32 países e aponta muitas exceções
Em 2016, a Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República publicou um levantamento dos países onde é possível praticar legalmente a morte assistida na Europa e resto do mundo, comparando a legislação de um leque de 32 nações.
Em nenhum dos ordenamentos jurídicos analisados é possível encontrar a eutanásia enquadrada como homicídio. Quando não completamente descriminalizada, a eutanásia direta cai sempre na previsão de uma de três espécies de homicídio: o simples, o privilegiado ou um tipo legal de homicídio criado especificamente para cobrir a situação da eutanásia.
O relatório de 50 páginas da Divisão de Informação sublinha que, apesar de serem apenas três os países europeus que legalizaram a eutanásia, muitos outros toleram-na no espaço europeu, aplicando a figura de "eutanásia passiva legalizada", como é o caso da Espanha, França, Reino Unido, Suíça, Noruega, Finlândia, Dinamarca ou Grécia, em que os tribunais, se chamados a julgar, aplicam penas brandas.
Outros países como a Alemanha ou a Suécia, enquadram o "suicídio assistido legalizado"; e depois há os casos juridicamente ambíguos, como Portugal, Itália e República Checa. Merece destaque ainda a Polónia, onde qualquer forma de eutanásia é proibida ou não está legalizada, mas a tipificação do crime permite, em casos extraordinários, a dispensa de pena pelo tribunal.
No resto do mundo, o estudo da Divisão de Informação Legislativa e Parlamentar da Assembleia da República, aponta dois países em que a eutanásia é legalmente tolerada: a Colômbia e o Uruguai. Destaca ainda o Japão: a eutanásia ativa é punida pelo Código Penal, mas a tendência dos tribunais tem seguido a aplicação de penas muito reduzidas ou mesmo a dispensa de pena. E os Estados Unidos: a nível federal, o ato médico de abreviação da vida por terceiros é proibido e equiparado ao homicídio; o suicídio assistido, porém, está regulamentado em cinco estados: Oregon (desde 1997), Washington (2008), Montana (2009), Vermont (2013) e Califórnia (2015).