Metade da área de Portugal Continental com excesso de azoto animal por causa dos efluentes.
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Mais de 30% das massas de água superficiais e subterrâneas de Portugal continental apresentavam, em 2019, níveis de qualidade inferiores a bom, devido à pressão das explorações pecuárias. Os efeitos dos mais de 23 milhões de metros cúbicos de efluentes gerados anualmente por quase 1,7 milhões de cabeças de gado bovino, suíno, caprino e ovino são tais que em 119 concelhos - especialmente na zona de Esposende-Vila do Conde e em Leiria, Alcobaça e Rio Maior - há excesso de azoto de origem animal, um problema que atinge metade da área total do continente.
Os dados são da Estratégia Nacional para os Efluentes Agropecuários e Agroindustriais (ENEAPAI), que esteve em discussão pública até janeiro e está agora a ser apresentada aos parceiros, salientando que o estado das massas de água - albufeiras, ribeiros, rios e canais, ou troços -, zonas de transição e águas costeiras (superficiais) e aquíferos (subterrâneas) "está muito aquém dos objetivos ambientais".
O documento, que propõe a criação de sistemas de informação para a rastreabilidade dos efluentes (quem produz, onde, em que quantidade e que destino têm), para permitir o acompanhamento e controlo e também a fiscalização, evidencia a desatualização da lista das zonas vulneráveis. Há concelhos com elevados excessos de azoto e fósforo, contaminando os recursos hídricos que não constam nelas.
Criação intensiva de gado
Em cinco das oito regiões hidrográficas do território continental, mais de um quarto das massas de água são afetadas por pressões significativas de efluentes pecuários. No conjunto das oito, são 30%. A situação mais grave ocorre na região do Sado e Mira, onde 108 das suas 247 massas de água (43,7%) estão afetadas. A do Cávado, Ave e Leça está em terceiro lugar, com 34 das 87 (39,1%) afetadas, e a do Douro atinge os 27,3% (108 em 395).
Segundo a ENEAPAI, em 2019 havia 1 094 928 cabeças de gado bovino, 295 718 suínos e 308 700 ovelhas e cabras. Os impactos no ambiente variam com o regime de exploração. No modo extensivo, a urina e os excrementos são excretados diretamente no solo, dispersos pelo terreno e ao longo do ano. Em regime intensivo (estábulo), a aplicação do efluente é geralmente sazonal e concentrada.
No caso dos bovinos, 244 954 (22% do total) são criados em regime intensivo. Mais de metade (53%) encontra-se em zonas vulneráveis (ZV), isto é, áreas que drenam para águas poluídas ou suscetíveis de serem poluídas e onde as atividades agrícolas podem contribuir para a sua poluição. Dessas, 63% estão concentradas na ZV de Esposende-Vila do Conde (concelho de Esposende e parte da Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Barcelos).
No caso dos suínos, a esmagadora maioria dos animais (267 639, isto é, 91% do efetivo) é criada em regime intensivo e apenas 29% em zona classificada vulnerável. Em contrapartida, os três concelhos com maiores efetivos locais (Leiria, com 29 280; Alcobaça, com 28 160; e Rio Maior, com 23 297) não são abrangidos por nenhuma ZV.
A ENEAPAI estima em 23 072 567 metros cúbicos o volume de efluente gerado anualmente e disponível para uma área agrícola e florestal de 7 034 084 hectares. Mas nem toda esta superfície pode ser enriquecida em matéria orgânica, azoto e fósforo de origem animal da mesma maneira, porque a produção e a sua relação com a área agroflorestal é muito desigual.
Vila do Conde, por exemplo, com 9767 hectares (ha), gera 52,89 metros cúbicos por cada ha, enquanto Alcácer do Sal só produz 2,27. Significa que o primeiro é largamente excedentário e o segundo deficitário e que vai ser necessário "exportar" efluente para as regiões onde faz mais falta.
Quase 30 mil toneladas
O documento estudou esse problema para a produção de azoto (66 963 toneladas por ano) e de fósforo (53 269) de origem animal e para o consumo destes nutrientes, tendo em conta que metade das necessidades são satisfeitas com esta origem.
Tendo em conta a produção pecuária nos regimes intensivo e extensivo, a ENEAPAI calcula a quantidade de azoto em excesso em 29 985 toneladas em 119 concelhos (43% dos 278 municípios e 50% da área total do continente, atingindo 2 646 849 kg em Montemor-o-Novo). Dos dez concelhos com mais excesso, apenas dois, Barcelos e Vila do Conde, estão incluídos numa ZV - a de Esposende-Vila do Conde.
Zonas vulneráveis por rever
O documento conclui ser necessário avaliar as atuais ZV, tendo em conta o número elevado de concelhos com excesso de azoto e não abrangidos por nenhuma. Segundo a lei, a lista de zonas vulneráveis deveria ser revista pelo menos de quatro em quatro anos, mas a última alteração tem já uma década. Foi publicada em março de 2010.
O panorama em relação ao excesso de fósforo não é muito diferente. Segundo a ENEAPAI, atinge as 13 355 toneladas geradas em 79 concelhos, destacando-se novamente Leiria (1 419 837 kg), Alcobaça (1 401 573), assim como Barcelos (858 002) e Vila do Conde (775 034).