Grupos que acompanham os problemas de alojamento e funcionários das unidades confirmam situação. Há quem fique meses nestes espaços e a partir deles se desloque diariamente para trabalhar.
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Há pessoas que não conseguem encontrar casa digna a preços que podem pagar e estão a procurar alternativas nos parques de campismo para terem ao menos um teto. Ainda que seja a lona de uma tenda. Os grupos que acompanham os problemas da habitação em Portugal e vários campismos confirmam a situação, mas é difícil perceber a sua verdadeira dimensão. Está escondida debaixo do manto da vergonha, de quem se vê apanhado num momento de fragilidade, e da lei, já que não é permitida a residência permanente neste tipo de espaços.
“É uma realidade com a qual nos vamos deparando, pessoas a procurarem alternativas cujo custo seja inferior às habitações”, diz André Escoval, do movimento Porta a Porta, explicando que tem conhecimento de pessoas “em parques de campismo, autocaravanas, em garagens ou lojas devolutas”. São na sua maioria cidadãos nacionais, cujos rendimentos não chegam para as despesas.
As pessoas, continua André Escoval, têm “vergonha e receio de exposição pública”, pelo que muitos não revelam a “situação de vulnerabilidade” em que estão e “os seus pares e as pessoas ao lado nem se apercebem”. A realidade verifica-se “um pouco por todo o país”. “O exponencial, face ao volume, é na periferia das grandes áreas metropolitanas, mas também há grande incidência no distrito de Faro, Aveiro, Coimbra e até Leiria, locais de onde nos têm chegado grandes relatos disto”.
“Há muito tempo que isso acontece, pessoas a viverem em carros, em anexos sem condições, pessoas a viverem em parques de campismo, mais gente a viver nas ruas” e está “cada vez pior”, desabafa Ana Gago, da associação Habita, lamentando a falta de respostas. “Há pessoas nas listas de espera [para habitação social ou similar] há imenso tempo. Também não conseguem no mercado de arrendamento privado, porque está incomportável”, descreve.
No distrito de Braga, a funcionária de um campismo relatou ao JN o caso de uma pessoa, portuguesa, que no ano passado ficou ali seis meses. Talvez ficasse mais, mas o espaço encerra no inverno. “Trabalhava num restaurante e ia e vinha todos os dias. Estava a usar o campismo como casa”. Noutra ocasião, uma família “ficou muito tempo”. Nos dois casos ficaram “em tendas”, que são a opção “mais barata”.
Pedidos para o ano inteiro
“Há pessoas que ficam muitos meses seguidos. Algumas falam sobre isso [que é por causa do preço elevado das habitações e da dificuldade em encontrarem casas a preços acessíveis] e outras não. Mas ficamos com a ideia de que estão nessa situação porque são de perto e saem para trabalhar”, diz ainda a funcionária, explicando que no campismo “imensas pessoas ligam e perguntam se podem ficar o ano inteiro”.
No distrito de Coimbra, uma funcionária de um campismo revela que o regulamento daquele parque não permite estadias longas, mas “há quem pergunte se pode colocar um bungalow ou mobile home para viver”.
Noutro campismo, agora na região do Algarve, uma funcionária conta que o parque limita, no seu regulamento, o tempo máximo de permanência a 15 noites, para fomentar a rotatividade de clientes. Mas há “pessoas que perguntam” se podem ficar mais tempo, pois precisam de alojamento na região porque têm trabalhos temporários e “não têm outro local onde ficar”.
Também no distrito de Viana do Castelo, a responsável de um campismo confirmou já ter tido procura de pessoas que querem ficar por períodos longos, porque vão “trabalhar uns meses” na zona. Tiveram de procurar noutro lado porque o regulamento só permite permanência até 15 dias.
Proibido por lei
O Parque de Campismo de Salgueiros, gerido pela Junta de Freguesia de Canidelo, no município de Vila Nova de Gaia, respondeu, via email, que, apesar de ter “conhecimento que a nível nacional se verifica uma procura dos parques de campismo para residências prolongadas”, naquele parque não tem havido “para já, essa procura”.
Já a Orbitur, o maior grupo de parques de campismo em Portugal, referiu apenas que “o regulamento interno dos empreendimentos Orbitur não permite habitação permanente”.
Muitos outros campismos contactados pelo JN disseram ter conhecimento de pessoas que recorrem a este tipo de instalações para residir, mas descartam que tal aconteça nos seus espaços. O JN não obteve resposta da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal.