Não há profissionais para integrar o modelo de USF-C que ministro queria para resolver falhas na região de Lisboa.
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As unidades de saúde familiar (USF) de modelo C, geridas pelo setor social ou cooperativo, não deverão avançar porque não há especialistas em medicina geral e familiar fora do SNS disponíveis para contratar. A escassez é tal, que está também a limitar o crescimento de projetos das misericórdias para aumentar a resposta na área dos cuidados primários em Lisboa e Vale do Tejo (LVT), onde há mais de um milhão de pessoas sem médico.
A regulamentação do modelo de USF-C foi defendida, no final de 2022, pelo ministro da Saúde como uma das soluções a equacionar para resolver temporariamente a falta de médicos de família em LVT. A ideia foi contestada pelo Bloco de Esquerda, que acusou o ministro de querer privatizar os cuidados primários. Porém, na última audição da Comissão de Saúde, percebeu-se que a ideia, afinal, não tem pernas para andar.
"A sondagem que temos feito é de indisponibilidade de recursos humanos fora do setor público", afirmou Manuel Pizarro aos deputados. Explicou que, nestas condições, se o modelo avançasse poderia levar a que "alguns profissionais do setor público, porventura, se candidatassem a USF modelo C e, sendo assim, não haveria nenhuma vantagem assistencial".
O ministro deu a entender que não faz sentido avançar com o modelo, previsto na lei desde 2007, no atual contexto, mas não fechou totalmente a porta. "Se aparecerem propostas concretas com listagens de médicos disponíveis para participarem em USF-C, estou disponível para estudar o tema", assegurou Manuel Pizarro.
As dificuldades na contratação de médicos de família, acrescentou o ministro, têm sido verbalizadas pelo setor social, que têm em curso programas de apoio aos cuidados primários de Lisboa e Vale do Tejo.
Ao JN, Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), confirmou essas dificuldades, que estão também a limitar o ritmo de crescimento do projeto Bata Branca.
Dificuldades limitam projetos
"Há interesse em alargar o projeto, as pessoas estão satisfeitas, mas há dificuldades porque abaixo do Mondego há uma falta generalizada de médicos", afirmou o responsável, frisando que "a ideia não é retirar médicos aos centros de saúde, é acrescentar resposta".
Este programa nasceu, em 2017, de um acordo entre a UMP e a Administração Regional de Saúde de LVT para dar resposta aos utentes do Arco Ribeirinho de Setúbal. Atualmente, são realizadas cerca de 450 consultas por semana, adiantou Manuel Lemos. Os utentes sem médico de família são referenciados pelo centro de saúde para o projeto que, entretanto, foi alargado a Cascais, onde também são feitas em média 90 consultas por dia. Este ano foi assinado um acordo, que envolve o Hospital da Cruz Vermelha, para estender o Bata Branca à Grande Lisboa. E Peniche também está a arrancar.
Pormenores
Aposta nas USF modelo B
A aposta nas USF-B, em que os profissionais recebem incentivos pelo desempenho, visa melhorar o acesso aos cuidados primários. Foram aprovadas 23 este ano.
Caso único em Matosinhos
Pela primeira vez, uma unidade passou do modelo de gestão antigo (UCSP) diretamente para USF-B. Aconteceu com a unidade Godinho Faria, em Matosinhos.
1,54 milhões de utentes sem médico de família em fevereiro passado, dos quais 1,07 milhões são da região de Lisboa e Vale do Tejo. No Centro, há 190 mil utentes a descoberto, no Algarve são cerca de 114 mil, no Norte 84 mil e no Alentejo 83 mil.
Outros projetos
700 camas
Além dos projetos para aumentar a resposta nos cuidados primários, o setor social está envolvido na resposta às pessoas que, por motivos sociais, permanecem internadas nos hospitais após a alta clínica. Estão já contratualizadas com as misericórdias e IPSS 700 camas para acolhimento transitório e temporário e o número "está a ser alargado", disse Manuel Pizarro.
Balcões SNS24
Os lares de idosos estão a ser equipados com Balcões SNS24 para que os idosos possam renovar receituário sem terem de se deslocar ao centro de saúde. O projeto arrancou no Alto Minho e segue-se Bragança.