Especialistas de Medicina Geral e Familiar dão resposta a doentes de menor gravidade que deviam ser atendidos nos centros de saúde.
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Alguns dos principais hospitais do país contratam médicos especialistas em Medicina Geral e Familiar para ajudarem a atender doentes de menor gravidade nas urgências, que podiam e deviam ser atendidos nos centros de saúde. Só o Hospital de S. João, no Porto, tem 14 médicos de família na urgência, 12 deles em regime de prestação de serviços. É o resultado de "uma desorganização do sistema", admite Paulo Santos, presidente do colégio da especialidade da Ordem dos Médicos.
Com mais de 1,4 milhões de utentes sem médico de família e as urgências a deitar por fora, em especial em Lisboa e Vale do Tejo, o recurso a estes especialistas tem sido uma opção para dar resposta aos milhares de casos não urgentes que chegam todos os dias aos hospitais. Como a "manta é curta", tapa-se de um lado e destapa-se do outro.
"Deixam de estar nos cuidados primários e isso tem custos que acabam por ser mais elevados", analisa Paulo Santos, defendendo um sistema mais organizado em que os doentes entram no SNS pelo centro de saúde e vão à urgência apenas com referenciação. Pelo meio, tem de haver muita literacia em saúde e plataformas de gestão da doença crónica, que permitam o acesso rápido a consultas destes doentes, que são grandes utilizadores da urgência. E projetos-piloto para testar primeiro nas localidades mais pequenas.
Há um mês, o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), que integra o Santa Maria - cuja urgência tem tido dificuldades de resposta nas últimas semanas -, publicou um anúncio de recrutamento de médicos para a urgência central, para celebrar contrato de trabalho ou de prestação de serviços. Entre as especialidades procuradas, figurava a Medicina Geral e Familiar (MGF).
1,4 milhões de utentes sem médico de família (1 422 105) em novembro passado, segundo o Portal do SNS. É um dos números mais elevados de sempre. O problema mais crítico é em Lisboa e Vale do Tejo, onde há 990 731 utentes a descoberto.
Ao JN, o CHULN referiu que atualmente não tem especialistas de MGF nos quadros, apenas internos da especialidade no contexto da sua formação. Mas nota que há um "histórico envolvimento de médicos de MGF em urgências hospitalares, presença que encontra fundamento no facto de uma elevada percentagem dos doentes atendidos nestes serviços serem de ambulatório e da prática clínica corrente da Medicina Geral e Familiar".
É, portanto, uma ligação histórica que resulta de um problema crónico de procura das urgências. O hospital acrescenta que a presença de médicos de família na urgência contribuiu também para "facilitar a articulação com os cuidados de saúde primários". Um trabalho que o Ministério da Saúde está a aprofundar, alargando o projeto Via Verde Aces.
No vizinho Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, a urgência geral e polivalente tem quatro assistentes e quatro internos. "Estes médicos estão alocados preferencialmente à avaliação de doentes ambulatórios e sempre em articulação com os elementos seniores da equipa em que estão integrados", ressalva o hospital.
Ver doentes menos graves
No Centro Hospitalar e Universitário S. João há 14 médicos de família a trabalhar na urgência, dois com contrato de trabalho e os restantes em prestação de serviços. Atendem doentes nas áreas não traumáticas, com exceção da sala de emergência.
Em Gaia, a urgência tem quatro médicos de família, três em prestação de serviços e um com contrato de trabalho. Funções: "ver doentes triados com cor verde e amarelos de menor complexidade, muitos deles que poderiam ser observados nos cuidados de saúde primários", adianta o hospital.
Em Braga, há oito especialistas em MFG, todos em prestação de serviços . Fazem sobretudo "triagem na área médica e observação de utentes numa primeira fase, sempre apoiados por especialistas das diversas especialidades, quando os utentes são referenciados para tal", refere o hospital. O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra não tem médicos de família nas urgências.
Pormenores
Vias verdes
O projeto Via Verde Aces foi alargado a 27 dos 55 agrupamentos de centros de saúde, em articulação com os respetivos hospitais. O objetivo é retirar das urgências os doentes menos urgentes (pulseiras verdes e azuis), agendando-lhes consulta no centro de saúde no prazo máximo de 24 horas.
Organizar SNS
A operacionalização destas vias verdes pretende também introduzir organização no SNS, cuja porta de entrada devem ser os centros de saúde.
Mais resolutividade
Aumentar a resolutividade dos cuidados primários, dotando-os de capacidade para realizar de exames, é outro dos projetos em curso, para inverter a lógica de procura das urgências.