Luís Montenegro assinou lei dos solos que pode beneficiar empresa. Diz que não é o dono, mas promete que a firma não vai fazer negócios com imóveis.
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A família do primeiro-ministro tem uma empresa que, entre outras coisas, se dedica à compra e venda de imóveis e que pode beneficiar da lei dos solos assinada pelo chefe de Governo. Luís Montenegro nega a existência de conflito de interesses e promete que a empresa não vai comprar nem vender imóveis. Mas não diz como vai cumprir a promessa se já não é o dono.
A empresa em causa chama-se Spinumviva, tem seis mil euros de capital social e tem como sócios-gerentes a mulher do primeiro-ministro, Carla Montenegro (70%), e os filhos Hugo e Diogo Montenegro, com 15% cada.
O objeto da empresa é vasto, mas nele também consta a compra e venda de imóveis, o que configura “um conflito de interesses potencial” para o primeiro-ministro, salienta João Paulo Batalha, da Frente Cívica. É que o primeiro-ministro é casado com Carla Montenegro em regime de bens adquiridos e o chefe de Governo assinou a alteração à lei dos solos. Ou seja, qualquer benefício que a empresa da família tenha com a alteração legislativa é extensível ao governante.
“Devia explicar isto”
“Mesmo que a empresa não esteja a comprar terrenos rústicos e a transformá-los em urbanos beneficiará sempre potencialmente dos efeitos sistémicos do novo regime jurídico no setor imobiliário”, aponta João Paulo Batalha, que diz que “Luís Montenegro devia explicar isto”.
Ao “Correio da Manhã” o primeiro-ministro negou a existência de conflitos de interesses porque, prometeu, “não foi nem vai ser atividade da empresa qualquer operação imobiliária geradora de conflito de interesses”. Ao JN, fonte do gabinete explica que a Spinumviva foi criada quando Montenegro estava fora da política e que “a empresa não tem, não teve e não terá qualquer propriedade”.
Esta justificação adensa ainda mais as dúvidas pois, como realça João Paulo Batalha, “se não é sócio nem gerente, não tem autoridade para dizer que negócios é que a empresa vai ou não fazer”. Assim, “ou é uma falsa promessa ou indicia que o primeiro-ministro, ao contrário do que diz, tem de facto poder de decisão na empresa”.
O caso de Montenegro é em quase tudo semelhante ao de Hernâni Dias, ex-secretário de Estado da Administração Local que também assinou a alteração à lei e tinha imobiliárias. A diferença é que Dias criou as empresas depois de entrar no Governo. Na sequência desse caso, demitiu-se e Montenegro falou em “imprudência”.
Agora, reforça João Paulo Batalha, “um governante cai e o outro vai ficar”: “Hernâni Dias também prometeu que não ia fazer negócios imobiliários mas não foi suficiente para se manter a confiança”.
Pormenores
O que mudou na lei
A nova lei permite que os municípios transformem terrenos rústicos em aptidão construtiva, o que pode triplicar o valor de um solo.
Montenegro fundou
Montenegro era o sócio maioritário da Spinumviva, com 62% de capital, ficando o restante dividido em parcelas iguais, de 750 euros, entre a mulher e os dois filhos. A 30 de junho de 2022, entregou a quota à mulher.
PS quer explicações
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, disse este sábado que Montenegro “deve dar explicações, tal como exigia quando estava na Oposição”. Lembrou que o primeiro-ministro não fala aos jornalistas há quase um mês e pediu que “não fuja”.
Consultoria e eventos
O objeto da Spinumviva é, além do imobiliário, a consultoria, segurança e higiene no trabalho, organização de eventos, marketing e exploração vitivinícola. Montenegro disse que criou a empresa para gerir uma exploração agrícola que herdou.
Chega espera saída
O Chega considerou o caso “insustentável e indefensável” e pediu que Montenegro aja como Hernâni Dias. Ou seja, que se demita.