Medicamento inovador já foi aprovado nos Estados Unidos mas não reúne consenso.
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Um medicamento novo, aprovado em junho pela autoridade do medicamento norte-americana (FDA, na sigla em inglês) para a doença de Alzheimer, é inevitavelmente uma brisa de esperança para quem sofre desta doença neurodegenerativa que afeta a cognição, o comportamento e a memória. O presidente do Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e Demência, João Massano, prevê que o Aduhelm (nome do fármaco) seja aprovado na Europa em 2022, mas a inovação não reúne consenso entre os cientistas.
"Já tivemos pacientes a perguntar pelo medicamento nas nossas consultas no Hospital de São João", diz o neurologista português ao JN. O produto da farmacêutica Biogen é o primeiro em quase 20 anos que ajudará a retardar a progressão da doença de Alzheimer. O último fármaco inovador foi o Namenda, aprovado em 2003.
Não será difícil imaginar que, um pouco por todo o Mundo, foram muitos os doentes a questionar quando teriam acesso à terapêutica. "Parece-me muito difícil que a Agência Europeia do Medicamento [EMA, na sigla inglesa] não aprove esta medicação", avança Massano. "Haverá uma pressão social enorme das associações de doentes."
Polémica entre médicos
O neurologista adianta que o processo do Aduhelm já está no regulador europeu e prevê que, dentro de um ano, o medicamento seja aprovado. "A morosidade poderá ser muito maior do que no caso das vacinas contra a covid-19." Em Portugal, se tudo correr bem, fica a faltar a aprovação do Infarmed, sendo depois decidida a comparticipação.
Num dos dois ensaios clínicos, ficou demonstrado que, quando administrado numa dose mais elevada, o Aduhelm permitiu diminuir a taxa de deterioração cognitiva. "Os doentes pioram a uma velocidade menor", explica João Massano. "Não melhoraram a memória", mas registaram a redução da proteína beta-amilóide no cérebro, associada ao alzheimer.
O avanço tem sido, ainda assim, contestado por membros da comunidade médica. A farmacêutica Biogen requereu junto do regulador americano a "aprovação acelerada". Isto é, a FDA pôde dar uma aprovação "condicional" ao Aduhelm.
O fármaco, apesar de inovador, não atingiu os objetivos primários clínicos: teve um ensaio positivo e outro negativo. Quando subiram a dose da medicação, "uma população reduzida" de doentes, numa fase ligeira ou de pré-demência, teve uma leve melhoria. Nos EUA, ainda poucos doentes receberam a prescrição do Aduhelm, de acordo com o jornal "The Wall Street Journal". Muitas seguradoras de saúde não estão dispostas a pagar por um medicamento que gera tanta contestação.
risco de retirada do mercado
O que fez a autoridade do medicamento americana não é novo. Sempre que se trata de uma doença grave ou cujas terapêuticas atuais não têm uma eficácia satisfatória, a agência reguladora pode "aprovar", sob certas condições, um medicamento. A Biogen terá, numa fase posterior, de recolher dados precisos da evolução do estado de saúde dos doentes. E caso a eficácia seja insuficiente, a FDA "pode retirar o medicamento do mercado", explica o neurologista.
O tempo é de esperança para os doentes de alzheimer, mas também de desânimo, refere João Massano. "É muito frustrante para as pessoas saber que o medicamento está disponível nos Estados Unidos e que aqui não lho podemos dar". Para o presidente do Grupo de Estudos de Envelhecimento Cerebral e demência, o ideal seria os timings entre os reguladores serem mais uniformizados. Para que ninguém fique para trás.