A abolição das portagens nas ex-SCUT, tal como proposto no projeto de lei do PS que é votado esta quarta-feira na Comissão de Economia, Obras Públicas e Habitação, resultará numa perda anual de 431,4 milhões de euros para a Infraestruturas de Portugal e favorecerá o transporte de mercadorias em detrimento da ferrovia.
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A avaliação é feita pela Infraestruturas de Portugal (IP) e já chegou ao Parlamento. As portagens representam um terço das receitas próprias da IP, que, avançando a eliminação das taxas de circulação na A4, Túnel do Marão, A13, A13-1, A22, A23, A25 e A28, nos troços de Esposende a Antas e entre Neiva e Darque, terá de reavaliar o plano de investimentos rodoviario e irá formalizar uma "reserva de direitos" para vir a ser compensada pelo Estado da "situação de desequilíbrio na concessão". Aliás, um desequilíbrio que já existe desde julho de 2021, data em que começaram a ser aplicados os descontos para os utilizadores frequentes e que se agravará com o fim desta cobrança a partir de 2025.
"Refira-se que a IP nunca foi compensada pelos impactos negativos das medidas adotadas em matéria de descontos de portagens", alerta a empresa pública no documento a que o JN teve acesso e que avalia o impacto financeiro da abolição de portagens nas ex-SCUT. A IP aponta que a medida terá outras consequências indiretas, podendo suscitar pedidos de indemnização e de reposição do equilíbrio económico-financeiro dos restantes concessionários, para além de tornar o transporte de mercadorias por via rodoviária mais competitivo do que pela ferrovia.
"A eliminação da cobrança das taxas de portagem vai tornar o transporte rodoviário, designadamente o de mercadorias, mais competitivo face à alternativa ferroviária, o que se afigura não estar alinhado com as políticas públicas em matéria de gestão da mobilidade e dos compromissos da descarbonização da economia, e do setor dos transportes em especial, nas quais se integra o muito expressivo programa de investimentos na rede ferroviária nacional", lê-se ainda no documento, que chega esta quarta-feira às mãos dos deputados da Assembleia da República. Ou seja, no mesmo dia em que os deputados da comissão parlamentar votam, na especialidade, o projeto de lei do PS e as propostas de alteração do BE e do PCP. Recorde-se que a análise aos custos da aplicação do diploma socialista foi solicitada à Infraestruturas de Portugal por iniciativa do PSD, que votará contra aquele projeto de lei.
Maior quebra de receita é no Algarve
As contas da Infraestruturas de Portugal mostram que a maior perda de receita anual será nas concessões do Algarve (A22) e das Beiras Litoral e Alta (A25), correspondendo a 103,55 milhões e 98,29 milhões de euros respetivamente.
À data da aprovação do projeto de lei socialista em maio no plenário da Assembleia da República, o PS especificou que a aplicação do seu diploma, a partir de 1 de janeiro de 2025, teria um impacto financeiro estimado da ordem dos 157 milhões de euros. Ora, de acordo com os cálculos da empresa pública, a perda direta de receita de portagens com a abolição das taxas neste momento em que já vigora um modelo de redução de portagens em grande parte destas autoestradas identificadas no diploma socialista será de 120,4 milhões anuais.
No entanto, a IP lembra que já está a perder receita desde que foi introduzida a redução nas taxas de passagem para residentes e para utilizadores frequentes em julho de 2021 (entretanto, alargada em 2023) e, por isso, a quebra acumulada anual superará os 431,35 milhões de euros.
"Decorre do exercício apresentado que a receita potencial de portagens da IP que decorre diretamente dos contratos celebrados ascende a cerca de 678,5 milhões de euros. Verifica-se também que, em resultados da política de descontos implementada através da Lei do Orçamento do Estado de 2021 e, posteriormente, através do Decreto-Lei 97/2023, a receita cobrada não vai além dos 367,5 milhões de euros, ou seja, esta política adotada pelo Estado implicou uma perda na receita própria anual da IP de 311 milhões de euros. Quanto ao impacto da medida agora apresentada, está estimado em cerca de 120,4 milhões de euros, valor que acrescenta à perda já registada com a política de descontos. Significa isto que, tendo por referência o valor da receita potencial de 678,5 milhões de euros, caso o projeto de lei [do PS] seja aprovado, a receita de portagens da IP seria, então, de 247,1 milhões de euros, ou seja, a perda total de receita será de 431,4 milhões de euros (praticamente 65% do valor da receita potencial)", calcula a empresa pública.
A IP assinala que "a atividade rodoviária da IP é financiada, para além da receita de portagem (que vinha representando cerca de um terço do total) pela receita da CSR [Contribuição de Serviço Rodoviário], representado esta cerca dois terços do total das receitas próprias".
Menos capacidade para investir e maior esforço do Orçamento do Estado
Na prática, a IP passa a ter menor capacidade de investimento na rede rodoviária, "o que se afigura preocupante na medida em que existe uma necessidade de reforçar o investimento para recuperar a rede em termos que permitam cumprir as obrigações decorrentes do contrato de concessão", mas também aumentará o buraco a tapar pelo Orçamento do Estado na fatura das parcerias público-privadas rodoviárias (PPP).
"Recorde-se que, apesar das receitas próprias da IP serem maioritariamente destinadas ao financiamento das PPP’s, ainda assim tem havido necessidade do Orçamento do Estado cobrir parte desse valor que, apesar de se estar a iniciar uma trajetória de redução, em 2024 ainda ultrapassa os 1500 milhões de euros. Em 2024, o financiamento destes pagamentos será assegurado em cerca de 50% por transferência do Orçamento do Estado através de dotações de capital (772 milhões de euros), sendo o remanescente financiado por receitas próprias da IP, onde se inclui a receita de portagens, pelo que as medidas que afetam a capacidade da IP gerar receita acaba por ter reflexo direto no aumento do recurso ao Orçamento do Estado para cobertura das suas necessidades de financiamento para pagar os encargos com PPP’s", adverte, ainda, no mesmo documento.
Acresce outro efeito indireto: tanto a IP como outras concessionárias privadas das autoestradas ex-SCUT deverão solicitar indemnizações pela alteração do modelo de concessão e pela perda de receitas. A abolição das portagens eliminará ou reduzirá, também, a atividade das operadoras dos sistemas de portagem, como a ViaLivre por exemplo, que "também irão requerer compensações".
No caso da empresa pública, "terá necessariamente de ser articulado, entre as partes [Estado e IP], um mecanismo suscetível de assegurar a compensação pela perda de receita em causa e/ou o ajustamento do modelo financeiro em conformidade".
Tal como aconteceu quando foi implementada a política de descontos nas portagens, a Infraestruturas de Portugal avançará com uma "reserva de direitos" para ser ressarcida pela "situação de desequilíbrio na concessáo". Até ao momento, a empresa ainda não foi compensada pelo Estado pela introdução de descontos nas portagens desde julho de 2021.
"A única compensação que a IP tem vindo a receber, em igualdade de circunstâncias com as restantes concessionárias, é a prevista no Decreto-Lei n.º 87-A/2022, de 29 de dezembro, que estabeleceu um regime excecional de atualização das tarifas e taxas de portagem para o ano de 2023 nos termos do qual as tarifas cobradas ao utilizador foram atualizadas numa percentagem (4,9%) inferior ao IPC apurado (7,7%) que contratualmente serve de referência à atualização anual das portagens", especifica no documento.
Indemnização por transferência de tráfego
Por fim, a IP assinala que a abolição das taxas de circulação em sete autoestradas ex-SCUT conduzirá a um crescimento do tráfego nessas vias, incluindo de mercadorias (já que passará a ser, economicamente, mais vantajoso fazer o transporte por rodovia em detrimento da ferrovia). Essa circunstância levará, argumenta a empresa, a duas consequências: à necessidade de antecipar grandes investimentos de reparação daquelas vias e à possibilidade de concessionárias de autoestradas que continuam portajadas pedirem compensações pela transferência de tráfego para vias sem custos de circulação.
"A eliminação da cobrança das taxas de portagem nas autoestradas consideradas irá certamente tornar a circulação nessas vias mais competitiva face a outras da rede rodoviária nacional, em que a cobrança se mantém. Havendo situações em que seja possível identificar e demonstrar esse efeito poderão, ainda, as concessionárias que considerarem ter perdido tráfego vir requerer uma compensação", sustenta a IP.
Por outro lado, "o crescimento dos volumes de tráfego poderá originar uma antecipação dos trabalhos necessários ao nível das grandes reparações nas autoestradas visadas, ou, pelo menos, em alguns dos sublanços, assim como um aumento dos custos de operação e manutenção". A empresa pública será obrigada a reforçar o plano de negócios, enquanto, por exemplo, na subconcessão Transmontana, esses encargos "são da responsabilidade da subconcessionária, pelo que a eventual antecipação de investimentos, assim como o incremento das necessidades de operação e manutenção poderão conduzir a pedidos de reposição do equilíbrio económico-financeiro do contrato".