Quase cinco anos depois de ter iniciado o atual Quadro Comunitário de Apoio, há linhas de financiamento do Portugal 2020 que ainda não abriram, devido à mudança de sistema informático.
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Os atrasos afetam empresas, que desesperam por respostas a candidaturas, e instituições, que aguardam há anos pelo pagamento dos reembolsos. Há quem esteja a dever seis meses de salários a formadores. Os fundos comunitários retidos ascendem a vários milhões de euros.
Estes constrangimentos devem-se à incapacidade de resposta do atual sistema informático, que teve de ser adaptado a 10 programas operacionais, cada um com diversas ramificações. A falta de recursos humanos e a contratação de pessoas sem experiência contribuíram para se atingir um estado "caótico", embora já existam candidaturas aprovadas com alguma execução.
"Ao início, a situação era aflitiva. Em 2015 e 2016, os técnicos não tinham nada para fazer e ocupavam o tempo a jogar às cartas", assegura um colaborador de um dos organismos que gerem fundos comunitários. "Estivemos meses a olhar para o teto, porque as entidades nem sequer se podiam candidatar, pois os avisos de financiamento não estavam abertos. Nunca houve uma gestão tão demorada dos fundos comunitários, apesar de termos dinheiro e técnicos".
600 pessoas sem ordenado
Só no universo das 14 associadas da APROSOC - Associação de Proteção e Socorro, há 600 pessoas sem receber ordenados há dois ou mais meses, garante o presidente, João Saraiva. "Há centenas de milhares de euros de reembolsos em atraso em estabelecimentos de ensino dependentes das verbas do Programa Operacional Regional de Lisboa 2020 do Fundo Social Europeu", denuncia.
A AEMAR - Associação de Estudos e Ensino para o Mar é um dos exemplos. O dirigente Luís de Carvalho garante que o último reembolso que recebeu da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de Lisboa e Vale do Tejo data de abril e reportava-se a uma fatura de 2015. Atualmente, a fatura mais antiga por liquidar é de 2016.
Com dois meses de salários em atraso a cerca de 70 pessoas, a AEMAR tem sobrevivido à custa de crédito bancário, que acabou de se esgotar. Desesperado, Luís de Carvalho diz que as explicações da CCDR para os atrasos dos reembolsos são sempre diferentes. "Parece que estão a tentar ganhar mais tempo", observa. Enquanto isso, o descontentamento de funcionários e colaboradores aumenta.
A presidente da Associação Portuguesa de Formadores, Susana Jorge, confirma os atrasos nos pagamentos. "Temos formadores que não recebem há seis meses e equacionam apresentar queixa no tribunal contra as empresas", revela. "Sempre houve atrasos nos reembolsos, mas as denúncias têm sido cada vez mais frequentes, porque os projetos terminaram em junho e as pessoas têm medo de não receber".
Formador de Leiria, Bruno Filipe diz que está a chegar ao fundo da sua conta de emergência. "Muitas vezes, as instituições não têm fins lucrativos e sofrem quebras de liquidez na tesouraria. Quando há atrasos do POCH - Programa Operacional Capital Humano, os formadores não recebem. No meu caso, o atraso é de seis meses", afirma.
Sem saber o que responder aos clientes, Rúben Fonseca, sócio-gerente da Infopoc - Contabilidade e Consultoria Fiscal, em Vila Nova da Gaia, tem trocado inúmeros emails com a Área Metropolitana do Porto, entidade onde submeteu as candidaturas a fundos comunitários de 11 projetos. O prazo para a publicação dos resultados expirou a 1 de março, mas o consultor continua a desconhecer se foram aprovados. A demora já levou a que apenas três dos 11 empresários tenham avançado.
Em causa estavam investimentos de 1,5 milhões de euros que poderiam criar cerca de 30 postos de trabalho. Mais de um ano depois, impera o silêncio.
Agência confirma problemas que causaram atrasos
Quantas candidaturas faltam submeter, devido a problemas informáticos? Qual o montante de reembolso por liquidar? Como comentam os danos que estes atrasos causaram a empresas, formadores, instituições sociais, que investiram na expectativa de receber o financiamento aprovado, dentro do prazo previsto, o que não sucedeu? Estas são três das perguntas do JN que ficaram sem resposta por parte da Agência para o Desenvolvimento e Coesão (AD&C).
A entidade que gere os fundos comunitários confirma que "o Sistema de Informação de suporte à gestão do FSE (Fundo Social Europeu) no QREN (Quadro de Referência Estratégica Nacional) não estava ancorado em soluções tecnológicas que permitissem a sua continuidade no PT 2020", pelo que as funcionalidades foram disponibilizadas de forma faseada. Reconhece a existência de "problemas pontuais", mas garante que "estas circunstâncias iniciais se encontram ultrapassadas". "O SI FSE 2020 suporta a atividade de 10 programas operacionais, tendo neste momento 222 tipologias de operação diversas, das quais resultaram mais de 500 avisos de abertura de concurso", acrescenta a AD&C.
25 mil milhões
O atual Quadro Comunitário vigora entre 2014/2020. Portugal vai receber 25 mil milhões de euros para o conjunto dos fundos, que serão atribuídos no âmbito de cada um dos 16 programas operacionais.
Regra da guilhotina
Criada pela Comissão Europeia, a regra estabelece que o orçamento relativo aos fundos comunitários de cada ano seja gasto nos três anos seguintes. Os estados-membros que entrem em incumprimento terão de os devolver a Bruxelas.
3540 candidaturas submetidas ao Fundo Social Europeu (FSE) estão por aprovar, num universo de 21 902. Falta liquidar 2400 pedidos de reembolso, em cerca de 16 mil.
Avisos de Bruxelas - "Sabemos que a Comunidade Europeia já chamou a atenção da Agência do Desenvolvimento e Coesão, porque os resultados não estão a aparecer", garante o técnico de um dos organismos.
Dívida de 800 mil euros - "Uma das organizações nossa associada comentou numa reunião, há três anos, que o PT 2020 lhe devia à volta de 800 mil euros", revela João Saraiva, presidente da APROSOC.