No dia em que os sindicatos dos médicos e o Governo voltam às negociações, o Ministério da Saúde abre a porta à redução progressiva de 18 para 12 horas de prestação de trabalho nas urgências e à consagração do horário semanal de 35 horas efetivas. Nada diz, porém, sobre o aumento salarial de 30% para todos os clínicos.
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O JN teve acesso à carta do Ministério da Saúde recebida, no sábado à noite, pela Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM).
Na missiva, o ministério compromete-se a avançar com uma "redução progressiva de 18 para 12 horas de prestação de trabalho no serviço de urgência". No entanto, propõe que essa redução seja indexada à diminuição do trabalho extraordinário e da contratação de médicos tarefeiros para esse serviço. Nesse sentido, não estabelece, desde já, um período temporal para essa redução
Horário de 35 horas já para quem faz urgência
Indo ao encontro das reivindicações do SIM e da FNAM, o ministério, tutelado por Manuel Pizarro, está disponível para consagrar, no imediato, o horário de trabalho de 35 horas efetivas para os médicos que fazem trabalho na urgência. E avançar, de forma faseada, com essa medida (baixar das 40 horas semanais paras as 35 horas) para os restantes médicos, desde que não coloque em causa a capacidade de resposta assistencial do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Contudo, o descanso compensatório (previsto após jornadas noturnas nas urgências) "não pode implicar o prejuízo do cumprimento do horário de trabalho semanal, sob pena de provocar uma perda de carga horária global incompatível com o funcionamento dos serviços", pode ler-se na carta, a que o JN teve acesso. Ou seja, os profissionais que fazem urgência têm de garantir que cumprem sempre as 35 horas de trabalho por semana, mesmo após jornadas noturnas.
O Governo reafirma a necessidade de reorganização dos serviços de urgência com a criação de centros de responsabilidade integrados e equipas dedicadas em exclusivo a esa tarefa nos hospitais. Uma prioridade sublinhada, no sábado de manhã, pelo primeiro-ministro António Costa na reunião da comissão nacional do PS, depois de, na semana passada, Manuel Pizarro ter anunciado que pretende ter essas equipas constituídas nos cinco maiores hospitais do país (hospitais de São José, Santa Maria, São João, Santo António e Coimbra) até ao final deste ano.
O objetivo desta medida é diminuir a dependência de contratação de médicos externos e do trabalho suplementar na prestação de cuidados nas urgências. Atualmente, os hospitais continuam muito dependentes dessas duas condições para completar as escalas de serviço.
Aumento salarial igual para todos sem consenso
A única das três medidas da proposta conjunta da FNAM e do SIM que não tem resposta no acordo de princípios, enviado pelo Governo aos sindicatos, é o aumento salarial de 30% para todos. No entanto, será discutido certamente na reunião deste domingo à tarde, com início agendado para as 16 horas.
Até ao momento, o Governo tem manifestado a intenção de subir a remuneração dos médicos, contudo defende que deve haver uma valorizaçáo específica e mais alargada para algumas tarefas, nomeadamente para o trabalho nas urgências.
A abertura para acolher, pelo menos, duas das três reivindicações do SIM e da FNAM encerra, contudo, uma preocupação, já manifestada por Manuel Pizarro na passada sexta-feira após a reunião com os sindicatos (que conduziu ao agendamento de novo encontro neste domingo). E repetida na missiva enviada aos dois sindicatos no sábado à noite: "A
redução do horário de trabalho dos médicos e do número de horas de atividade no serviço de
urgência não pode significar a diminuição de acesso a cuidados de saúde e da capacidade de
resposta do SNS. Exige-se, por isso, um compromisso das duas partes em relação a esta matéria, que é condição essencial para que as referidas alterações possam vir a ser consideradas", lê-se ainda.
Mais unidades de saúde familiar e a funcionar até mais tarde
Na proposta de acordo de princípio, o ministério compromete-se, ainda, a prosseguir com a generalização das unidades de saúde familiar (nomeadamente a reconverter as atuais unidades A em USF modelo B, com a remuneração dos profissionais associada ao desempenho).
Além de melhorar a capacidade assistencial dessas unidades e de procurar dar médicos de família a quem ainda não tem, um dos objetivos do Governo é criar condições para que os centros de saúde possam ter horários de funcionamento alargados "quando necessário", de modo que os utentes possam encontrar resposta nestas unidades em caso de situaçáo de doença aguda não urgente, evitando a ida desnecessária aos serviços de urgência dos hospitais.
Aliás, há vários autarcas que, no âmbito do processo de descentralização de competências, já manifestaram vontade de contribuir para que as unidades de Cuidados de Saúde Primários possam ter horários mais dilatados, inclusive funcionar aos fins de semana. Recorde-se que muitos municípios já assumiram a gestão dos centros de saúde nos seus concelhos.