O Governo vai aumentar o apoio pecuniário às famílias de acolhimento e deixará de exigir que se coletem como trabalhadores independentes e passem recibo verde. O ato de altruísmo de cuidar do filho dos outros como se fosse seu deixará de ser um serviço tributado pelo Estado. E o Ministério do Trabalho e Segurança Social consagrará a estes pais temporários os mesmos direitos laborais e sociais que concede a qualquer outro progenitor.
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É uma mudança de paradigma para converter o acolhimento familiar numa alternativa efetiva e predominante à institucionalização, sobretudo para crianças menores de seis anos, como determina, desde 2015, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. O último relatório CASA (Caracterização Anual da Situação de Acolhimento de Crianças e Jovens) mostra uma redução contínua do número de menores em acolhimento familiar. Fica-se pelos 3%.
O projeto de decreto-lei - que regulamentará aquela lei três anos depois e estará em discussão pública desde hoje até 27 de maio - permite que as instituições de solidariedade social (IPPS) com programas de acolhimento familiar possam alargá-los e outras IPPS criem novas respostas. Caberá à Segurança Social e à Misericórdia de Lisboa, enquanto entidades gestoras do sistema a nível nacional, criar uma bolsa de acolhedores que "gradualmente" se estenda a todo o país.
"A Segurança Social fará um planeamento territorial do alargamento", para cobrir o país de acordo com as necessidades, explica fonte da tutela. As vagas, geridas centralmente, serão comunicadas aos tribunais e às comissões de proteção de crianças e jovens. A quem competirá decidir se o menor vai para uma família de acolhimento, sempre que não possa ficar na família de origem ou sob o cuidado de outro familiar ou de um tutor com laços afetivos.
sobe DE 330 para 522 euros
A ambição do Governo é de que o número de famílias candidatas ao acolhimento aumente substancialmente e que esta medida predomine em detrimento da institucionalização. Reconhecendo que as atuais condições são dissuasoras, o decreto-lei vai melhorá-las. Desde logo, acabam-se os recibos verdes e o apoio pecuniário muda e cresce.
Hoje, a Segurança Social paga uma retribuição tributável de 176,89 euros à família e um subsídio para a manutenção da criança de 153,40 euros. Ao todo, são 330,29 euros mensais. Se o menor tiver uma deficiência, sobe para 507,19 euros. Com o novo regime, será concedido um único apoio pecuniário não tributável.
Para crianças maiores de seis anos, será de 522,91 euros (mais 37%). Se tiver deficiências, passa a 601,35 euros. O mesmo valor será pago a menores de seis anos. As crianças com deficiências e menores de seis anos receberão 691,55 euros.
Acrescem os direitos laborais e sociais. O acolhedor poderá faltar até 30 dias por ano ao trabalho para dar assistência no doença a menores de 12 anos e até 15 dias, se for mais velho, à semelhança de outro pai. Também poderá requerer todas as prestações sociais dirigidas às famílias, como o abono de família, a bonificação do abono por deficiência ou o subsídio por assistência a terceira pessoa. "Passam a ser consideradas famílias, no que se refere ao Código de Trabalho", esclarece a mesma fonte. "E poderão requerer diretamente as prestações sociais que a criança tenha direito, como qualquer progenitor".
PORMENORES
Um total de 246 crianças e jovens viviam em 178 famílias de acolhimento em 2017. Nunca houve tão poucos menores em acolhimento familiar. Mais de metade tem entre 15 e 18 anos. Só 18 crianças têm menos de cinco anos. O relatório CASA, divulgado em novembro de 2018, indica que 652 menores até aos cinco anos crescem em instituições generalistas.
Próximo da família
Os menores devem ser colocados em famílias de acolhimento próximas do seu local de origem e dos pais biológicos. Caso não haja disponibilidade, ficarão noutra região. Mas logo que seja possível, deverão ser transferidos para uma família mais perto.
Prioridade na escola
As crianças em acolhimento familiar terão prioridade na inscrição nas escolas públicas. Se ocorrer a meio do ano letivo, o Ministério da Educação deve garantir a inclusão do menor "em tempo útil". O mesmo sucede na Saúde. Têm prioridade no acesso a médico de família e nos cuidados de intervenção precoce e da saúde mental.
O que fica de fora
Ao contrário das crianças institucionalizadas, os menores em acolhimento familiar não têm direito automático a abono e a ação social escolar. Só receberão se os rendimentos da família forem baixos. Também não está resolvida a possibilidade do acolhedor incluir as despesas com o menor no seu IRS. Essa mudança legislativa depende do Parlamento. E há, neste momento, propostas do PS, PSD, CDS e PAN para concretizá-la.
PERGUNTAS E RESPOSTAS
O que são famílias de acolhimento?
São famílias que acolhem menores à guarda do Estado, retirados aos pais pelo tribunal ou pelas comissões de proteção de crianças e jovens. Recebem-nos na sua casa e tratam-nos como filhos. Este acolhimento é temporário, porque o objetivo do Estado é que as famílias biológicas adquiram condições para voltar a receber as crianças. Se tal não for possível, serão encaminhadas para a adoção ou para a autonomização. Em média, os menores ficam cinco anos nas famílias.
Quem pode candidatar-se?
Todas as pessoas entre 25 e 65 anos, que não sejam candidatas à adoção nem tenham laços familiares com a criança em risco. O decreto-lei permite que pessoas sozinhas, casais ou familiares que vivam na mesma casa possam candidatar-se, desde que tenham boa saúde, habitação adequada e um cadastro limpo, sem crimes contra a vida, integridade física ou liberdade pessoal e sexual.
Quantas crianças podem ser acolhidas?
Cada família pode receber até duas crianças ou jovens. Excecionalmente, a Segurança Social e a Misericórdia de Lisboa poderão permitir que acolham um número superior de menores. Os irmãos não devem ser separados.