Governo quer facilitar despedimentos por justa causa em pequenas e médias empresas
O anteprojeto da reforma laboral apresentado pelo Governo a 24 de julho alarga, às pequenas e médias empresas, o regime simplificado de despedimentos por justa causa que já estava em vigor para aquelas que têm menos de dez trabalhadores. Neste regime, o patrão fica dispensado fazer prova dos factos que imputa ao trabalhador. Sindicatos e patrões estão contra a proposta.
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A simplificação dos despedimentos por justa causa nas pequenas e médias empresas é uma das alterações que passou despercebida na proposta feita pelo Governo aos parceiros sociais e partidos políticos. Ainda será negociada na Concertação Social e, ao que tudo indica, também no Parlamento.
A proposta de alteração foi noticiada pelo Jornal de Negócios e confirmada pelo JN. Até agora, as microempresas (menos de dez trabalhadores) já podiam despedir com justa causa através de um regime simplificado. Na prática, este regime dispensa o patrão de fazer prova das imputações feitas contra o trabalhador na nota de culpa que tem de elaborar para concretizar o despedimento.
Segundo o Código do Trabalho em vigor, o regime simplificado aplica-se apenas a funcionários que não sejam sindicalizados nem integrem uma comissão de trabalhadores, dado que para estes continua a ser obrigatório o processo de instrução em que o patrão faz prova dos seus argumentos.
Os procedimentos que são eliminados
No anteprojeto, o Governo propõe o alargamento deste regime a pequenas empresas (entre 10 e 49 trabalhadores) e também às médias (entre 50 e 249 funcionários). As microempresas mantêm-se no regime e as grandes empresas (com 250 empregados ou mais) continuam excluídas.
Sempre que ocorre um despedimento por justa causa, o patrão tem de o comunicar ao trabalhador, "juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados", prevê o Código do Trabalho. Depois, o trabalhador tem dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, podendo exigir prova dos factos imputados.
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Para concretizar esta prova, o empregador tem de realizar um inquérito onde está obrigado a ouvir até um máximo de três testemunhas por facto imputado, num total nunca superior a 10 testemunhas. Por fim, deve apresentar cópia e pedir parecer à comissão de trabalhadores e ao sindicato. Só no fim destes procedimentos é que o despedimento por justa causa pode avançar.
A proposta do Governo elimina esta necessidade para mais de 99% do tecido empresarial português, composto essencialmente por micro, pequenas e médias empresas, quando até agora vigorava para um universo mais restrito de empregadores.
"É uma facilitação dos despedimentos", diz CGTP-IN
Os sindicatos contestam a simplificação dos despedimentos por justa causa prevista no anteprojeto do Governo de revisão da legislação laboral, questionando a sua constitucionalidade e considerando tratar-se de uma "situação extrema" de corte de direitos dos trabalhadores.
"Isto é totalmente inaceitável", afirmou Ana Pires, da Comissão Executiva da CGTP-IN, em declarações à agência Lusa. Para a central sindical, "as entidades patronais já hoje têm grande facilidade em despedir, ao contrário daquilo que gostam de repetir até à exaustão, naquela estafada tese de que a legislação laboral é muito rígida": "É fácil e barato despedir no nosso país e as sucessivas alterações à legislação têm vindo nesse sentido", diz a dirigente sindical.
Para Ana Pires, a agora pretendida dispensa de apresentação de provas ou de audição de testemunhas apresentadas pelo trabalhador num processo de despedimento desencadeado nas micro, pequenas e médias empresas - que representam 99,6% do tecido empresarial português - é, mais do que uma simplificação, uma "facilitação dos despedimentos".
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"Porque é, mais ou menos, despedir um trabalhador e não ser obrigado a ouvir testemunhas, não ser obrigado a ter em conta o parecer de Comissão de Trabalhadores ou do sindicato em que o trabalhador é sindicalizado. E pronto, ponto final. O trabalhador não tem condição para se defender, não se defende e é despedido", sustenta.
Restando ao trabalhador o recurso à via judicial, Ana Pires nota que também a este nível há no pacote laboral do Governo "um conjunto de regras de assalto aos direitos que vêm colocar mais limitações ainda", nomeadamente no que respeita à reintegração dos trabalhadores em caso de despedimento ilícito.
"O que está aqui em causa, quando se fala de um posto de trabalho e de um despedimento, é a condição de o trabalhador fazer face à sua vida. Tem a ver com uma questão de sobrevivência, do salário que ganha para conseguir sobreviver, pagar as suas contas e comer. Não há cá facilitismos. Quando há lugar a um procedimento disciplinar, tem que haver possibilidade da pessoa se defender. Isto é da mais elementar justiça e bom senso", argumenta a dirigente sindical.
"É mais ideológico do que necessário", argumenta a UGT
Na mesma linha, a UGT rejeita o que diz ser um "aumento do poder discricionário" das empresas para, "de forma completamente gratuita, agir individualmente sobre um trabalhador".
"Quando uma empresa quer reestruturar, não é pelo aumento daquilo que é o seu poder discricionário, de forma completamente gratuita, e de agir individualmente sobre um trabalhador que ela conseguirá, de facto, tornar-se mais competitiva ou mais produtiva. É com instrumentos coletivos, negociados, que chegaremos um pouco mais longe", considera o secretário executivo da central sindical, Carlos Alves, ouvido pela Lusa.
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Defendendo que esta proposta "é algo mais ideológico do que propriamente necessário", a UGT reforça que, "quando uma empresa quer ter capacidade de reestruturação, não tem necessidade de estar a escolher os trabalhadores um a um para os despedir", dispondo de "um processo próprio para o efeito" - o despedimento coletivo - "que em Portugal até é mais flexível do que na generalidade dos países".
"Esta proposta o que faz simplesmente é novamente tentar desequilibrar a balança do poder, e desta vez indo a algo que é extremamente central em todo o direito do trabalho e para a vida dos trabalhadores, que é a segurança nos seus postos de trabalho", acusa.
E, embora ressalvando caber ao Tribunal Constitucional apreciar eventuais inconstitucionalidades, a UGT entende que esta e outras normas previstas no anteprojeto do Governo "se afiguram inconstitucionais ou a raiar a inconstitucionalidade", numa posição partilhada pela CGTP, que espera que estas medidas "andem para trás e caiam" ainda antes da questão da constitucionalidade se vir a colocar.
"Merece violenta rejeição", dizem os patrões
A Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CMPME) também é contra. Em comunicado, referem que a proposta de acabar com a apresentação de testemunhos e provas "merece violenta rejeição" pois, já em 2010, "foi declarada inconstitucional.
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A CPPME diz que a proposta "é reveladora de saudosismo e de visão retrógrada" e representa "um ataque ultrajante aos direitos dos trabalhadores" das PME, sendo que "volta a proteger os grandes grupos económicos". É também "uma aposta na precariedade" quando "o que está em causa é a falta de políticas que promovam o emprego".
Esta confederação refere ainda que o anteprojeto "mostra incapacidade de ouvir quem está no terreno", pois já solicitaram uma audiência à ministra do Trabalho, "logo a seguir à tomada de posse", e a mesma ainda não aconteceu.