Cumpridos sete anos de Governo sob a liderança de António Costa, o desgaste é inevitável e agrava-se com a extensa lista de polémicas envolvendo membros do Executivo, incluindo o primeiro-ministro. Chegados a novo mandato, agora com uma maioria que dispensa a geringonça, a Oposição critica a falta de diálogo. O politólogo André Freire concorda perante a "grande sobranceria" da maioria absoluta. E nota a "ausência de estado de graça" de uma governação que já vai longa. Apesar dos avisos de Marcelo Rebelo de Sousa, crê que não tem exercido o contrapeso devido.
Corpo do artigo
Quando o PS e a Oposição trocam acusações sobre o uso do "rolo compressor" para chumbar propostas, o Executivo aprovou o seu Orçamento do Estado (OE) para 2023 com poucas cedências e privilegiando o Livre e o PAN. O pano de fundo deste OE volta a ser a crise. Uma gestão difícil para um Governo já comparado ao de Passos Coelho no tempo da troika pela perda de rendimentos.
Mais tempo no cargo
Difícil é também gerir a imagem da equipa chefiada por Costa, que tomou posse pela primeira vez a 26 de novembro de 2015. Se cumprir a legislatura, será quem ficou mais tempo no cargo, batendo os 10 anos de Cavaco Silva. Marcelo avisou em março que seria inaceitável deixar o mandato a meio. E António Costa prometeu não sair para cargos europeus.
O primeiro-ministro foi trocando de equipa. Este seu terceiro Governo já ficou marcado pela saída da ministra da Saúde, Marta Temido, e pela demissão de Miguel Alves, seu secretário de Estado adjunto, acusado de prevaricação enquanto ex-autarca de Caminha. Antes disso, houve a polémica contratação de Sérgio Figueiredo para consultor do ministro das Finanças, Fernando Medina.
Mais recente é a guerra com o ex-governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, que o acusou de pressões para proteger a posição da empresária angolana Isabel dos Santos.
Geringonça inovadora
André Freire, professor catedrático de Ciência Política, destaca que o Governo chefiado por Costa foi reconduzido este ano sem "lua de mel" ou "estado de graça". Das variações no suporte parlamentar, salienta o período "muito inovador na política portuguesa", com a geringonça, que foi "um Governo popular" e permitiu repor cortes nos direitos, salários e pensões.
Quando o PCP recusou assinar um novo acordo em 2019, André Freire recorda que o Bloco continuou a negociar. Crê que houve "má fé negocial" do PS porque as propostas eram acomodáveis e "iam ao encontro" do que defendeu quando estava na Oposição, no tempo da troika.
Apesar de Costa afirmar que queria aliar-se à Esquerda, André Freire lembra que, na anterior legislatura, 60% das votações foram feitas em sintonia com o PSD de Rui Rio.
Com o OE de 2022 chumbado e eleições antecipadas, o PS teve a maioria desejada. O politólogo critica a "grande sobranceria da maioria absoluta", apesar da promessa de diálogo. E nota que, quando Marta Temido saiu e a Oposição exigiu a mudança de políticas, o primeiro-ministro respondeu que, para isso, teriam de derrubar o Governo.
A seu ver, o discurso de valorização dos salários feito por Costa "não bate com a realidade", num período de "muitas semelhanças com o da troika". O que contrasta com os gabinetes do Governo, sublinha, recordando os casos de Sérgio Figueiredo e do jovem de 21 anos que a ministra Mariana Vieira da Silva contratou para adjunto.
Questionado sobre os sucessivos recados de Marcelo, desde logo sobre fundos europeus, André Freire referiu que "tem vindo a perder qualidades". "Espera-se que faça o contrapeso e não se vê isso", apesar de "fazer um reparo aqui e ali", justificou o professor catedrático.
Os recados do presidente centraram-se, por exemplo, na execução dos fundos, nomeadamente ao nível do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que levaram Marcelo a dirigir-se diretamente à ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, em plena sessão pública. "Verdadeiramente superinfeliz para si será o dia em que eu descubra que a taxa de execução dos fundos europeus não é aquela que acho que deve ser. Nesse caso não lhe perdoo", disse Marcelo, cujas críticas foram logo refutadas pela governante e repudiadas pelo presidente do PS, Carlos César.
Já a lista de polémicas e conflitos com membros do Governo inclui o episódio em que o primeiro-ministro determinou a revogação do despacho publicado pelo Ministério das Infraestruturas sobre o plano de ampliação do aeroporto de Lisboa, desautorizando Pedro Nuno Santos.