A Oposição atacou o Governo devido à reforma dos estatutos das ordens profissionais, com o PSD a acusar o Executivo de as "nacionalizar" e "sufocar" estas associações. A ministra dos Assuntos Parlamentares, que aceitou melhorar o diploma na discussão na especialidade, assegurou: "Ninguém quer controlar ninguém".
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Esta quarta-feira, no Parlamento, PSD, Chega, PCP e BE contestaram os moldes em que a reforma foi feita. Todos eles consideram que o Governo não estabeleceu um verdadeiro diálogo com as ordens e que tratou por igual profissões que são diferentes.
O debate gerou momentos de alguma tensão entre PS e PSD. Os sociais-democratas acusaram os socialistas de "colocar amarras e mordaças" aos advogados - nas palavras da deputada Mónica Quintela, que também fez uma comparação com os tempos do Estado Novo. O partido no poder lembrou que a reforma já constava no memorando da 'troika', que o PSD aplicou.
"O que é que aconteceu ao Governo para um dia acordar e decidir nacionalizar as ordens profissionais?", questionou Nuno Carvalho, do PSD. E deixou nova pergunta, à qual ele próprio respondeu: "O Governo quer acabar com as ordens? Aparentemente sim". Paulo Moniz, seu colega de bancada, acrescentou que o PS o faz porque estas são uma "voz incómoda".
Nuno Carvalho acusou o Executivo de querer "impor" uma lei que "sufoca" as ordens, uma vez que o pagamento dos estágios - que, por proposta do Governo, terá um limite mínimo de 950 euros por mês - será feito com o dinheiro das próprias associações. "Assim é fácil prometer", ironizou.
RuI Paulo Sousa, do Chega, considerou que as ordens estão "sob ataque do Governo", pelo facto de "não se vergarem com facilidade ao poder socialista". Tal como o PSD, acusou o Executivo de querer "acabar" com estas organizações, "esvaziando-as" das suas principais competências.
O deputado sustentou que a reforma também demonstra "desrespeito" para com as ordens, uma vez que trata "de forma igual setores com especificidades diferentes". Sobre os estágios, passou para o Governo a responsabilidade de "apoiar" as remunerações; já no que toca ao órgão de supervisão que cada ordem passará a ter, alegou que será composto por "personalidades com o cartão do PS".
Esquerda critica "imposições neoliberais"
Manuel Loff, do PCP, defendeu que a proposta do Executivo foi "feita a régua e esquadro" e que as ordens não tiveram tempo para se pronunciarem. Sustentou que o diploma comporta "uma marca mal disfarçada de hostilidade à regulação das profissões", frisando que o papel da OCDE - uma das organizações que recomendam a reforma - é forçar "imposições neoliberais".
O comunista também salientou que os atos próprios de cada profissão não devem poder ser exercidos "por quem não tenha habilitações". Por outro lado, concordou que as ordens não devem impor "restrições injustificadas" no acesso às profissões, frisando que os estágios devem ser remunerados "pelas entidades beneficiárias do trabalho prestado".
Isabel Pires, do BE, também argumentou que a auscultação das ordens "não aconteceu porque o Governo não quis", daí haver "tantas dúvidas e falhas" em torno dos diplomas. "Não podemos continuar a falar em diálogo quando ele não existiu", frisou, acusando o Executivo de "amalgamar" as várias profissões na mesma proposta.
A bloquista afirmou igualmente que os diplomas deixam "mais dúvidas do que certezas" e que, ao contrário do que foi prometido, não garantem a proteção dos jovens contra a precariedade. A possibilidade de várias profissões perderem atos próprios é fruto da "liberalização" do mundo do trabalho promovida pelas propostas em análise, argumentou.
IL diz que reforma é necessária, mas também a critica
Rodrigo Saraiva, da IL, considerou que a reforma das ordens profissionais é "necessária", embora tenha afirmado que o PS só a faz "por imposição europeia". Tal como os partidos que se opõem à proposta, também o liberal acusou o Governo de se ter "esquivado ao diálogo" com as ordens.
Saraiva anunciou que a IL fará propostas na especialidade, nomeadamente para dar "mais liberdade" a quem trabalha - de associação e de publicitação dos serviços - e para garantir maior apoio aos consumidores. A este respeito, aproveitou para criticar aqueles que apontam o dedo à lógica de lucro das "grandes empresas": "O lucro funciona e faz falta às pessoas e organizações", defendeu.
Rui Tavares, do Livre, quis saber se o Governo tem "abertura" para acomodar mudanças à proposta na discussão na especialidade, destacando que as queixas sobre o pouco tempo de consulta foram "unânimes". Inês Sousa Real, do PAN, descreveu o diploma como um "atentado à independência das ordens", mostrando também disponibilidade para fazer propostas em sede de comissão.
Estagiários passarão a ser "remunerados pelo seu trabalho", destaca ministra
Na abertura do debate, a ministra dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, antecipou-se às críticas da Oposição, lembrando que o Governo apenas tem o poder de "controlo da legalidade" das ordens e que o mesmo está em vigor desde 2013 - quando o PSD era poder.
"Sejamos claros: ninguém quer controlar ninguém, apenas queremos regular o acesso às profissões", argumentou a governante, recebendo algumas palmas da bancada do PS.
Ana Catarina Mendes sublinhou que a proposta do Governo "elimina barreiras" no acesso às profissões e possibilita que os estagiários sejam "remunerados pelo seu trabalho", uma vez que passarão a ter salários mensais de, pelo menos, 950 euros.
Também vincou que os jovens mais vulneráveis terão descontos nas taxas, podendo mesmo ser isentados desse pagamento. No seu entender, a proposta contribuirá ainda para ajudar os jovens a aceder "mais cedo" ao mercado de trabalho, medida que considerou fundamental "numa economia que se quer cada vez mais competitiva".
Com o aproximar do debate e votação desta quarta-feira, várias ordens acusaram o Governo de "ingerência". Criticam, sobretudo, o facto de 60% dos membros do novo órgão de supervisão serem externos, bem como a criação da figura do provedor.
Algumas ordens também alertam para o facto de as alterações promovidas pelo Executivo poderem retirar às profissões competências que, até aqui, eram exclusivas destas.